No deserto
«Quem se senta no deserto e se preocupa com a quietude do seu coração fica dispensado de três batalhas: com a audição, com a palavra, com a vista. Resta-lhe apenas uma a combater: com o seu coração.»
Setenta por cento da superfície terrestre está coberta por desertos áridos ou glaciais. O processo de desertificação avança a ritmo persistente e, em conjunto com a seca, absorve anualmente 12 milhões de hectares, ou seja, 23 hectares por minuto.
O deserto é, todavia, um símbolo em muitas culturas; é-o sobretudo na antiga espiritualidade dos chamados “padres do deserto”. E é ao mais célebre deles, Santo António, que é atribuída a frase que propomos.
Hoje a locução “sentar no deserto”, por ele usada, não evoca tanto a postura típica dos beduínos, imóveis nesses espaços solitários. Ela é antes de tudo sinónimo de “contemplar”.
É neste sentido que se torna clara a lição de Santo António. Pode facilmente vencer-se uma luta tríplice quando se está na solidão; a audição não fica suja de palavras vãs e vácuas, a boca não emite murmurações e vulgaridades, o olhar não tem diante de si imagens provocadoras e perturbadoras.
Ainda assim não é suficiente para se ficar na perfeita serenidade. É preciso, com efeito, combater a batalha do coração. É dele que flúem – como já dizia Jesus – todas as intenções perversas, e é por isso que não basta o silêncio exterior, a paragem, para se estar na paz interior.
Deve-se, antes, iniciar finalmente uma obra de purificação e de libertação do coração, ou seja, da consciência, para que torne a ser fonte de amor, de luz, de confiança, de pureza.
[P. (Card.) Gianfranco Ravasi | In Avvenire]