A liberdade

Liturgia 4 novembro 2017  •  Tempo de Leitura: 3

Uma das características que mais apreciamos nos outros é a liberdade: «Ela é livre, desprendida, descomplexada?». A liberdade pode ser conquistada em espaços surpreendentes como numa prisão. O exemplo paradigmático é o de Nelson Mandela. Ele nunca deixou de ser livre mesmo permanecendo por detrás das grades, em Robben Island. O poema de William E. Henley, com que termina o filme Invictus, ilustra a liberdade de espírito do futuro presidente sul-africano: “Não importa o quão estreito seja o portão e quão repleta de castigos seja a sentença, eu sou o dono do meu destino, eu sou o capitão da minha alma”. Em contrapartida, vivendo em sociedades livres como a nossa, sem nos apercebermos, facilmente nos sujeitamos a modos de vida que, em bom rigor, se assemelham à escravidão. Somos escravos de um trabalho desumanizante, das constantes necessidades inventadas por uma agencia de publicidade qualquer; escravos, em suma, de ídolos que nos obrigam a vestir, pensar e agir de um modo concreto para termos um lugar cativo no podium social. Como sublinhava a ativista teóloga Dorothee Solle «não olhamos para a nossa vida na sociedade da abundância como se estivéssemos no Egipto». Pagamos, contrariados mas resignados, o inevitável imposto num persistente mal-estar pessoal e social para o qual não encontramos nem explicação nem remédio eficaz. Por vezes, recorremos a uns lenitivos que aumentam a dependência: umas experiências pontuais numa realidade virtual, o mundo alternativo da «second life» e, em casos extremos, enveredamos em expressões de libertinagem pura. Modos, enfim, patológicos de uma liberdade que apenas escraviza. Não é fácil ser livre…

 

A pertença a uma religião ou a profissão de um Credo nem sempre é garantia de uma maior liberdade. No Evangelho deste domingo, por ex., Jesus desmascara os promotores de um culto escravizante. Ele é homem verdadeiramente livre que denuncia os especialistas da religião do seu tempo – fariseus e saduceus – de sobrecarregar a população com fardos pesados, de agir por vaidade, de se constituírem lideres pretensiosos que disputavam os lugares de destaque, mas indisponíveis para servir. Com o seu comportamento atentavam contra a vontade do Deus que os criou livres e, em diversas circunstâncias da história, colocou-se como agente de libertação dos oprimidos.

 

A religião não é um caderno de encargos impossível de realizar para o comum dos mortais. Em Jesus, graças à sua liberdade, percebemos que o caminho é outro: livres para amar e servir. Mas em cada um de nós há um fariseu à espreita. E na ânsia de curar a liberdade ferida, muitas vezes enveredamos pelo legalismo estéril e pela via da aparência materializada num perfecionismo sedento do reconhecimento alheio. Senhor, que a Igreja seja «o testemunho vivo da verdade e da liberdade» (OE, V/D).

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