O maior mandamento

Liturgia 29 outubro 2017  •  Tempo de Leitura: 12

No trecho evangélico deste domingo, lemos a terceira controvérsia de Jesus em Jerusalém. Desta vez, são os fariseus que, ao constatar que Jesus tinha calado a boca dos saduceus, põem-no à prova, tentam, mais uma vez, fazer com que ele se contradiga através de um dos seus especialistas da Torá.

 

A pergunta que este faz a Jesus expressa uma preocupação frequente por parte da tradição rabínica da época. Se, de fato, é verdade que as palavras, os mandamentos por excelência de Deus eram dez (cf. Ex 20, 1-17; Dt 5, 6-21), no entanto, os preceitos contidos na Torá eram muitíssimos, 613 de acordo com a tradição dos mestres. Mas entre muitos mandatos, havia um mais importante do que os outros, um que pudesse ser de orientação para o crente que desejava cumprir a vontade de Deus?

 

Jesus, como rabi conhecedor da Torá e, sobretudo, exercitado na oração do seu povo, responde citando o Shema’Jisra’el (cf. Dt 6, 4-9), ou seja, a grande profissão de fé no Senhor Deus repetida duas vezes por dia pelo crente judeu, que abre com estas palavras: “Escuta, Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor” (Dt 6, 4).

 

Essa oração, que, para a tradição judaica, é a oração por excelência, proclama, acima de tudo, que Deus é um e único, e que escutá-lo, conhecê-lo através da revelação significa aderir a ele e amá-lo de todo o coração, com toda a vida, com toda a mente. A dinâmica é clara: da escuta à fé, da fé ao conhecimento, do conhecimento ao amor.

 

Mas o que significa esse mandamento de amar a Deus? Como se pode amar um Deus que não se vê, que não fala as línguas humanas, cuja presença é evasiva? Essa é uma pergunta sempre atual, uma pergunta que cada um de nós deve fazer a si mesmo para discernir se está na fé (cf. 2Cor 13, 5) e se “habita no amor” (1Jo 4, 16). Porque amar a Deus também pode ser uma vontade nossa de amor em relação a uma realidade que nós chamamos de Deus, mas que, na realidade, é um ídolo, uma projeção humana, um produto nosso, tão mais amado quanto mais é obra nossa.

 

Nós, humanos, temos a possibilidade de avaliar o nosso amor por Deus? De fato, não basta cultivar ou experimentar um desejo forte, uma nostalgia daquele que chamamos de Deus... Justamente por isso, o nosso amor por Deus só pode nascer do fato de tê-lo ouvido primeiro. Eis o primado da escuta, expressado pela primeira palavra do Shema’: “Escuta!”. É escutando Deus, renovando a atitude de quem recebe e acolhe a sua palavra, que podemos renunciar às imagens de Deus que construímos e, em vez disso, acolher dele o conhecimento do seu rosto, porque ele mesmo levanta o véu para nós.

 

Por outro lado, sabemos bem como o amor de Deus é cantado pelo crente: “Eu te amo, Senhor, minha força, Senhor, meu rochedo, minha defesa, meu libertador, Deus meu, rocha sobre a qual me refugio, meu escudo, minha força de salvação, meu baluarte” (Sl 18, 2-3); “Ó Deus, desde a aurora eu te busco, o meu ser tem sede de ti” (Sl 63, 2) etc.

 

A linguagem do amor humano pode expressar o nosso amor por Deus, mas, na realidade, não é suficiente para verificar a verdade do nosso amor. Para realmente amar o Deus vivo, é absolutamente necessário fazer, viver o que ele quer. Não há possibilidade de um amor de desejo sem que tal amor seja fome de cumprir a vontade de Deus.

 

São os Salmos ainda que nos ajudam: “Eis, Senhor, o meu compromisso: guardar, isto é, fazer os teus preceitos” (Sl 119, 56); “Eu busco os teus preceitos” (Sl 119, 94); “Tu sabes que eu amo os teus preceitos, Senhor” (Sl 119, 159)...

 

O apóstolo João também repete isso, atestando estas palavras de Jesus: “Se alguém me ama, observará a minha palavra” (Jo 14, 23); “Se observarem os meus mandamentos, vocês permanecerão no meu amor” (Jo 15, 10).

 

Portanto, amar a Deus sem limites, isto é, de todo o coração, com toda a vida, com toda a mente significa entrar em um conhecimento que também pode ser passional, penetrante, louco de amor, mas sempre deve ser vivido como escuta e realização da sua vontade.

 

Por isso, é preciso ter conhecido o amor de Deus por nós, o seu amor que vem antes, nunca merecido: consequentemente, amamo-lo como resposta a tal amor, como obediência que não deriva de uma lei, mas da contemplação do rosto daquele que “é Amor” (agápe: 1Jo 4, 8.16).

 

Justamente porque o amor por Deus é realizar a sua vontade, o amor ao próximo é um mandamento que dele deriva diretamente. Em todas as culturas da terra, formulou-se a regra da realização do amor pelo próximo também por parte de quem não conhece a Deus e não o confessa. “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19, 18): esse era um preceito dado por Deus a Israel, mas Jesus o coloca ao lado do primeiro mandamento, semelhante (homoíos) ao da escuta e do amor a Deus.

 

Poderíamos dizer que a fé em Deus age no amor ao próximo, por aquele que tornamos próximo, que decidimos amar quando o encontramos (Lc 10, 29-37). O amor ao próximo não é teórico, não é amor em geral por toda a humanidade, mas é concreto, e devemos decidir a sua forma, todas as vezes, de modo inteligente e criativo, como requer o amor verdadeiro, autêntico pelo outro.

 

A regra de ouro: “Faze aos outros aquilo que queres que seja feito a ti” (Mt 7, 12; mas que também está atestada na sabedoria dos povos), depois, pede a cada um que determine aquilo que deve ser feito como “amor eficaz”, assumindo a responsabilidade do amor e também dos possíveis erros nesse caminho. Erros que nunca serão tão graves, porém, como o pecado de omissão, de não fazer nada para amar...

 

Nesse ponto, Mateus, e somente ele, relata as palavras de Jesus: “Toda a Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos” (cf., em paralelo, o comentário sobre a “regra de ouro”: “Esta é a Lei e os Profetas”), enquanto, segundo Marcos, Jesus declara: “Não há outro mandamento maior do que estes” (Mc 12, 31). E, assim, de acordo com Mateus, esses dois comandos, lidos juntos, tornam-se uma recapitulação de toda a Lei (cf. Rm 13, 8-10; Gal 5, 14; Tg 2, 8), enquanto o primeiro, sozinho, não é suficiente para sintetizá-la.

 

Infelizmente, nós facilmente contrapomos os dois mandamentos ou os colocamos em concorrência, mas ai daqueles que fazem distinções fétidas! Nós, humanos, temos um único modo de amar em verdade, e o amor ao próximo é o critério para verificar o nosso amor por Deus.

 

O apóstolo João expressará isso admiravelmente: “Quem não ama o próprio irmão que vê não pode para amar a Deus que não vê” (1Jo 4, 20). E também poderíamos parafrasear: quem não sabe escutar o irmão que vê não pode escutar a Deus que não vê; quem não sabe confiar no irmão que vê não pode confiar em Deus que não vê!

 

Esse evangelho deveria ressoar nos nossos ouvidos não como um texto conhecido e tão repetido que supomos tê-lo entendido de uma vez por todas, mas deveria ser uma oportunidade para examinar, a cada dia, a nossa capacidade de amar a Deus e ao próximo. “Amarás”: nessa expressão, está toda a nossa vocação, tudo o que cotidianamente podemos e devemos tentar viver. “Amarás”...

 

Por isso, Agostinho pode comentar: “O amor de Deus é o primeiro na ordem dos preceitos, o amor ao próximo é o primeiro na ordem da práxis... Amando ao próximo, tornas puro o teu olhar para poder ver a Deus” (Comentário ao Evangelho segundo João 17, 8).

 

Como conclusão dessa leitura, gostaria de salientar que a última palavra dita por Jesus aos fariseus (“Toda a Lei e os Profetas dependem desses dois mandamentos”) pode ser captada de outra forma nos ensinamentos do apóstolo Paulo. É verdade que, para ele, toda a Lei e os Profetas estão resumidos no mandamento do amor ao próximo, mas quem age desse modo é “o justo” que “por fé viverá” (Rm 1, 17; Gal 3, 11; 38; Hb 2, 4), onde a fé é ativa e nunca contradiz o amor.

 

É significativo que, com um raciocínio paralelo, o Rabi Simlaj chegava a dizer: “No Monte Sinai, a Moisés, foram enunciados 613 mandamentos: 365 negativos, correspondentes ao número de dias do ano solar, e 248 positivos, correspondentes ao número de órgãos do corpo humano... Depois, veio Davi, que reduziu esses mandamentos para 11, como está escrito [no Salmo 15]... Depois, veio Isaías, que os reduziu a seis, como está escrito [em Isaías 33, 15-16]... Depois, veio Miqueias, que os reduziu a três, como está escrito: ‘O que o Senhor te pede, senão de praticar a justiça, amar a piedade, caminhar humildemente com o teu Deus?” (Mq 6, 8)... Depois, veio Isaías de novo e os reduziu a dois, como está escrito: ‘Assim diz o Senhor: observem o direito e pratiquem a justiça’ (Is 56, 1)... Por fim, veio Habacuce reduziu os mandamentos a um só, como está escrito: ‘O justo viverá pela fé’ (Hc 2, 4)” (Talmude da Babilônia, Makkot 24a).

 

Enfim, não nos esqueçamos do “mandamento novo” dado por Jesus aos seus discípulos no Evangelho segundo João: “Amem-se uns aos outros como eu os amei” (Jo 13, 34; 15, 12). Jesus não diz: “Como eu amei os amei, assim também me amem”, em uma simetria responsorial, mas ele dá o mandamento de um amor difusivo: o amor do Senhor por nós nos habilita a amar os outros com o seu próprio amor, até dar a vida por eles.

Instituto Humanitas Unisinos – IHU

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