Em apenas uma hora se pode perder ou ganhar o dia

Liturgia 24 setembro 2017  •  Tempo de Leitura: 5

1. No Evangelho deste Domingo XXV do Tempo Comum (Mateus 20,1-16), Deus conta aos seus filhos mais uma história verdadeira. A praça está sempre cheia de gente à espera de uma oportunidade. O dono da vinha SAI às 06h00 da manhã e contrata trabalhadores para cultivar a sua vinha. Pagar-lhes-á um denário, que é o salário normal de um dia de trabalho. SAI outra vez às 09h00 da manhã, e, encontrando mais gente na praça, envia-os para a sua vinha, dizendo que lhes pagará o que for justo. Volta a SAIR às 12h00, às 15h00 e às 17h00, encontra sempre gente desocupada, e a todos vai enviando para a sua vinha.

 

2. Impõe-se que anotemos um primeiro indicador: o dono da vinha SAI por cinco vezes à PROCURA de nós. Encontra-nos a toda a hora, e a toda a hora nos envia para a sua vinha. É dele toda a iniciativa.

 

3. Às 18h00, o dono da vinha ordena ao seu capataz que pague o salário (um denário) aos trabalhadores, com uma estranha condição: a começar pelos últimos! O capataz pagou a todos um denário, o salário de um inteiro dia de trabalho. Também esta é uma bela iniciativa do dono da vinha. Até aqui tudo bem: todos os que aqui estamos, estamos todos depois e por causa da iniciativa de Deus!

 

4. Temos também, todavia, de prestar atenção ao que fazemos, quando somos nós a tomar a iniciativa. O texto não diz se trabalhámos, ou se fomos preguiçosos, durante o tempo, muito ou pouco, que estivemos na vinha. Mas diz que somos mesquinhos, invejosos e ciumentos, quando reparamos que o dono da vinha nos trata a todos por igual. O texto desvenda o nosso instinto de grandeza e superioridade, e a dificuldade que sentimos em aceitar-nos e abraçar-nos como irmãos.

 

5. O amor de Deus está lá, bem retratado, em todas as iniciativas do dono da vinha: SAI a toda a hora à nossa PROCURA. Quer-nos a todos por igual. Enche as nossas mãos com os seus dons. Mas nós ficamos tão mal na fotografia ou na radiografia, que mostra bem as invejas e ciúmes, que minam o nosso coração e não nos deixam ser irmãos.

 

6. Aquela última hora é a hora da graça. É a nossa hora de filhos de Deus. Mas é também a hora em que podemos ser aceites ou rejeitados como irmãos.

 

7. Em apenas uma hora se pode ganhar ou perder o dia inteiro!

 

8. A lição do Antigo Testamento que hoje, por graça, nos é dado escutar (Isaías 55,6-9), serve maravilhosamente de fundo ao Evangelho deste Dia. Apresenta-nos um Deus bom, que «se deixa encontrar» (Isaías 55,6), e que é «rico em perdão» (Isaías 55,7), e nos põe a caminho, pois, diz Deus: «Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos,/ os vossos caminhos não são os meus caminhos» (Isaías 55,8). Vê-se bem que esta última página do caderno do chamado «Segundo Isaías», na verdade um profeta e místico do tempo do exílio (século VI a. C.), foi escolhida para fazer coro com a personagem central do Evangelho de hoje, que vê as coisas de forma muito diferente de nós, muito melhor do que nós.

 

9. São Paulo, o Apóstolo de Jesus Cristo, escreve à sua comunidade dileta de Filipos, e, no extrato de hoje (Filipenses 1,20-24.27), lê-se a si mesmo, dizendo: «Para mim viver é Cristo» (Filipenses 1,21) e o resto é lixo (Filipenses 3,8). E desafia-nos a todos a viver de maneira digna do Evangelho de Cristo, que não consiste em nenhuma forma de instalação, mas em «lutar juntos (synathléô) pela fé do Evangelho» (Filipenses 1,27), verdadeiros atletas da fé do Evangelho.

 

10. Fica bem hoje cantar com alegria renovada o grande hino alfabético que é o Salmo 145, até que vibrem as cordas do nosso coração. Orígenes classificava este Salmo como «o supremo cântico de ação de graças», e Agostinho viu-o como «a oração perfeita de Cristo, uma oração para todas as circunstâncias e acontecimentos da vida». E enquanto saboreamos as imensas riquezas que nos vêm de Deus: a sua presença ao nosso lado, os seus caminhos novos e belos, cheios de graça, misericórdia, amor e bondade, usando, para o efeito, toda a gama de sabores e todas as letras do alfabeto, continuemos a cantar a vinda de Deus até nós e a sua insuperável proximidade: «O Senhor está próximo de quantos o invocam» (Salmo 145,18).

O Bispo D. António Couto publica os artigos no blogue Mesa de Palavras

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