A última hora

Liturgia 23 setembro 2017  •  Tempo de Leitura: 3

A farmácia que fica junto à minha casa recebe durante todo o dia muitas visitas. Pessoas com ritmos diferentes e com as mais diversas motivações entram neste “lugar sagrado” com a mesma resignação que um penitente entra no santuário, no termo de uma peregrinação. É verdade que, em circunstâncias normais, a farmácia é um lugar pouco desejado mas a passagem por ela é tão inevitável no percurso de cada homem como a passagem pela padaria. É naqueles armários e nas tantas gavetas metodicamente organizadas, é naquela caixa cujo nome por vezes é difícil de pronunciar, que depositamos a esperança de dias mais amenos, sem dores, talvez a remissão definitiva de uma doença crónica.
A farmácia é o lugar da esperança. «As suas melhoras» repetem-nos maquinalmente.

 

Quando, ao anoitecer, os carros estacionam debaixo do seu letreiro florescente, sei que alguém procura, talvez para um filho menor, o medicamento recomendado e imagino como é terrível a impossibilidade de o encontrar: «não temos» ou simplesmente «está fechado».

 

«Não temos», «não há lugar para ti», disseram os proprietários aos operários que esperavam durante toda a manhã um convite para trabalhar. Uma espera frustrante. Só o entardecer trouxe o milagre. A surpresa do novo proprietário é atenuada pela explicação tristemente evidente: «ninguém nos contratou», disseram os operários em tom amargurado, «fomos esquecidos», «não temos qualquer valor», «o que procuramos é-nos negado, está fechado, teremos de emigrar?».

 

A parábola de Jesus surpreende-nos: a decisão do proprietário provoca revolta entre os trabalhadores da primeira hora. A atitude do dono da vinha tem tanto de injusto como de misericordioso. Mas eles não entendem assim. Conhecem apenas a lógica infalível dos números e recusam-se a aceitar a da compaixão. E exigem que esses sejam os critérios do proprietário. Ele, porém, como bom farmacêutico, proporciona aos fragilizados pela indiferença o remédio da recompensa digna. Resgata-os de um final trágico.

 

Os ensimesmados nunca compreenderão estas motivações. Mas até ao fim, até ao fim de um dia ou de uma vida, o Senhor estará sempre disponível para nos acolher. Ele não desiste de nos dar as oportunidades necessárias para alterarmos um percurso que, aos olhos do mundo, tem um destino já traçado. Aos «sem remédio» Deus oferece a melhor cura. Porque a história de Deus em cada homem é outra. Maior e melhor do que alguma vez possamos imaginar.

Subscrever Newsletter

Receba os artigos no seu e-mail