''Se alguém quer me seguir...'', por Enzo Bianchi

Liturgia 3 setembro 2017  •  Tempo de Leitura: 12

No trecho do Evangelho do domingo passado, que precede imediatamente o de hoje, Pedro respondia a Jesus, que interrogava os seus discípulos sobre a sua identidade, com uma confissão de fé: “Tu és o Cristo, o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16, 16). Justamente por causa dessa revelação recebida do Pai que está nos céus, Simão, o pescador da Galileia, foi instituído por Jesus como Rocha (pétra), a primeira pedra da construção da sua Igreja (cf. Mt 16, 18).

 

Mas eis a ordem peremptória de Jesus de não revelar a ninguém a sua identidade de Messias e, ao mesmo tempo, o início de uma nova revelação. De fato, está escrito que, “a partir de então, Jesus começou (érxato) a mostrar (deiknýein) aos seus discípulos...”. Não só a dizer, a ensinar, como anotam os outros sinóticos, mas também a mostrar, portanto, com as palavras e o comportamento, que ele “devia (deî) ir à Jerusalém e sofrer muito (pollá) da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei, e que devia ser morto e ressuscitar no terceiro dia”.

 

Mateus conta que Jesus, depois da morte de João Batista (cf. Mt 14, 1-12) e as contestações e a rejeição por parte de escribas e fariseus (cf. Mt 15, 1-20; 16, 1-12 ), havia se afastado da Galileia rumo às terras do norte, para além das fronteiras da Terra Santa, mas agora volta e decide começar a subida para Jerusalém, a cidade santa, mas que ele também conhece como “a cidade que mata os profetas” (Mt 23, 37).

 

Jesus sente que “é necessário”, que “deve” empreender essa viagem, não porque um destino assim o decide por ele, mas porque a sua missão assim o exige, até mesmo ao preço da morte violenta. Essa necessitas é, em primeiro lugar, humana, inscrita na história humana, nas vicissitudes do mundo: em um mundo injusto, o justo só pode receber rejeição, perseguição e até a morte.

 

Se Jesus quer cumprir a sua missão em palavras e obras de acordo com a vontade de seu Pai, se quer permanecer coerente com o que pregou, ele deve cumprir a sua missão também indo à cidade santa, também enfrentando o ódio e a rejeição dos sacerdotes, dos escribas, dos homens religiosos munidos de autoridade e poder no povo do Senhor. Essa necessitas humana também se torna, assim, necessitas divina. Mas cuidado: não porque Deus, o Pai de Jesus que está nos céus, deseja a morte do Filho, mas porque ele quer que Jesus o narre fielmente como Deus de amor, Deus desarmado e manso, Deus que aceita ser atingido em vez de atingir.

 

Vigiemos para não projetar sobre Deus a imagem perversa de um Pai que gostaria da morte e do sofrimento do Filho (pollá patheîn). Não, assim ocorre porque é uma lógica inerente ao mundo, como o autor do livro da Sabedoria tinha lido e profetizado, desmascarando os pensamentos dos ímpios e a sua perseguição ao justo e ao pobre crente no Senhor, que confessa a Deus como Pai (cf. Sb 1, 16-2, 20).

 

Repito: em um mundo injusto, o justo só pode conhecer o sofrimento, e Jesus, desde aquela hora imediatamente posterior à confissão de Pedro, mostra isso. Note-se que Jesus faz esse anúncio por três vezes durante a subida a Jerusalém (cf. Mt 16, 21; 17, 22-23; 20, 17-19), portanto, com uma insistência e uma intenção precisas: os discípulos que o seguem devem compreender que, na sua vocação, na sua identidade de Messias, está contida toda a vocação do Servo do Senhor, que conhece sofrimento e morte (cf. Is 52, 13-53, 12).

 

O essencial do anúncio-profecia é a necessitas da paixão como sofrimento sofrido, como rejeição por parte da autoridade religiosa legítima, como morte violenta, resultado humanamente falimentar de uma vida e de uma missão. Justamente depois desse fim, porém, haverá a ressurreição dos mortos no terceiro dia, como ação do Pai sobre ele, o Filho: ressurreição não como vingança sobre a morte, mas como fruto da paixão e da morte. E não há apenas palavras da parte de Jesus, mas o seu comportamento também ensina os seus discípulos essa necessitas: vida e palavras concorrem no seu “anunciar abertamente a palavra (parrhesía)” (cf. Mc 8, 32).

 

Diante desse anúncio, a Rocha da Igreja, Pedro, recém-instituído como tal e proclamado por Jesus como “feliz” (cf. Mt 16, 17-19), reage. Ele toma consigo Jesus, quase à parte dos outros discípulos, e começa a censurá-lo dizendo-lhe: “Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isto nunca te aconteça!”. Pedro invoca Jesus como Kýrios, Senhor, reconhece-o na sua identidade, mas, justamente por isso, repreende-o, considerando as suas palavras insensatas, porque a paixão e a morte não podem acontecer com o Messias.

 

Não nos escandalizemos com as palavras de Pedro: Jesus também sentia rejeição e repugnância por aquilo que o esperava e, no Getsêmani, ele mostraria isso aos discípulos com uma angústia vivida visivelmente e com uma oração ao Pai para que afastasse dele o cálice daquele fim miserável (cf. Mt 26, 36-46)! O sofrimento e a morte, nossa e de quem amamos, mas também dos outros, nos fazem mal e nos são repugnantes. Pedro está dizendo isso.

 

Mas, para Jesus, essas palavras soam como uma tentação renovada da parte de Satanás. Aquele que o tentara no deserto, oferecendo-lhe um caminho messiânico sem cruz e sem morte, mas feito apenas de sucesso e de poder (cf. Mt 4, 1-11), manifesta-se agora nas palavras do discípulo por ele instituído como Rocha. Por isso, Jesus lhe grita: “Opíso mou, fique no meu seguimento, atrás de mim, não me tome à parte, não seja um obstáculo no meu caminho, porque os seus pensamentos são humanos, não são pensamentos de Deus”. É por isso que a Rocha pode ser chamada de Satanás! Não é uma desmentida da investidura anterior e da bem-aventurança dirigida a Pedro, mas uma clara advertência: até mesmo a Rocha pode acabar pensando mundanamente e sendo um obstáculo no caminho do Senhor.

 

E para que esse “mostrar” a necessitas passionis seja uma palavra definitiva, neste ponto, Jesus, segundo Marcos, chama até mesmo a multidão para si (cf. Mc 8, 34) e, segundo Mateus, diz aos discípulos: “Se alguém quer vir atrás de mim (opíso mou), deixe de conhecer apenas a si mesmo, tome a sua cruz e me siga”.

 

Eis como o discipulado se evidencia para todos: não é apenas seguir um mestre sábio e de autoridade, não é apenas seguir um profeta capaz de fazer milagres, mas significa estar envolvido na vida de Jesus, significa renunciar a conhecer e a afirmar a si mesmo, significa tomar a própria cruz, o instrumento da morte do homem mundano, do “homem velho” (Rm 6, 6; Ef 4, 22; Cl 3, 9), e seguir Jesus aonde quer que ele vá (cf. Ap 14, 4). Discipulado a um caro preço! Discipulado que não isenta do escândalo, da prova, do sofrimento. Discipulado que nos coloca ao lado de Jesus, o Servo sofredor, e ao lado de todos aqueles que sofrem neste mundo. Sim, bem-aventurados os pobres, os mansos, os que choram, os que são perseguidos (cf. Mt 5, 1-12)...

 

A perda de si, do eu mundano, é necessária para que possa surgir o próprio eu autêntico, aquele que se encontra em Cristo Jesus. Que os cristãos, e especialmente os pastores da Igreja, que proclamam a verdadeira identidade de Jesus como Filho do Deus vivo, não se esqueçam, não ocultem nunca o crucificado. De fato, a glória de todo cristão está totalmente em tomar a própria cruz e seguir o seu Senhor na paixão, morte e ressurreição.

 

Eis, então, em seguida, algumas sentenças de Jesus articuladas sobre a palavra “vida”. A vida, acima de tudo, é não aquela que se tenta preservar a todo custo, seguindo o impulso de viver até mesmo sem e contra os outros, em uma lógica de autoconservação, lógica que não reconhece a dinâmica do dom de si a Deus e aos outros. Ao contrário, pode-se também gastar a vida até se perdê-la ao dá-la, e, neste caso, ela é reencontrada no poder da ressurreição que Deus opera como palavra última e íntima sobre as nossas vidas.

 

A vida verdadeira, além disso, não significa ganhar o mundo, não se identifica com o ter, com o possuir, porque ninguém pode pagar a Deus pela própria redenção e salvar a própria vida (Sl 49, 8-9). Essa verdade se manifestará quando o Filho do Homem vier na glória do Pai, com todos os seus anjos, naquele que será “o dia do Senhor”, anunciado pelos profetas e confirmado por Jesus como dia do Filho do Homem (cf. Mt 24, 44; 25, 31).

 

Então, mediante um juízo último e definitivo, aparecerá a verdade da vida de cada um de nós, e cada um receberá de Deus um juízo conforme ao que tiver vivido e realizado na terra. No horizonte último da história, portanto, para todos, está a vinda na glória de Cristo, Filho do homem e Filho do Deus vivo, aquele que foi crucificado e foi ressuscitado no terceiro dia.

 

E, se tentamos seguir Jesus, mas, como Pedro, a Rocha, diante da perseguição, reconhecemos apenas a nós mesmos, até dizer de Jesus: “Não o conheço” (Mt 26, 69-75), no arrependimento, conheceremos o olhar misericordioso de Jesus. Como aconteceu com Pedro (cf. Lc 22, 61-62)!

Instituto Humanitas Unisinos – IHU

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