O milagre de Tiberíades

Liturgia 4 maio 2019  •  Tempo de Leitura: 2

Durante aquela noite, diz o evangelista, «os discípulos não apanharam nada». O mar era o mesmo: calado, misterioso, cheio de vida. Eles dominavam as técnicas ancestrais. Não havia razão para o insucesso. Mas era como se esse mar espelhasse o vazio de uma vida, numa noite que teimava em não acabar. Nada. As redes ressurgem, uma e outra vez, pobres e tristes.

 

«Foi ao amanhecer», prossegue João, quando a luz empurrava a escuridão para o abismo. Nesse novo dia, o inesperado aconteceu. Como um “remake” de um episódio ocorrido alguns anos antes. A voz distante sugeria uma mudança de posição. «No outro lado do barco». «Recomendação inútil», terá resmungado o especialista na arte da pesca. «Tentemos para ver…», acrescentaram outros. E as redes afundaram-se silenciosas, à direita, para ressurgirem carregadas de esperança. Na primeira vez, a mesma voz tinha-lhes ordenado que deixassem as redes familiares para se tornarem «pescadores de homens». Amanhecia. Tudo tinha mudado desde então. Ainda hoje, da margem daquele mar, cenário de tantas histórias, o mestre propõe-nos pequenas alterações cujos resultados podem ser miraculosos.

 

Almoçaram juntos. Sobre a mesa improvisada, a refeição do Mestre atenua a fome dos discípulos, a fome antiga de sentido e de paz. Eles eram os sobreviventes da grande tempestade. Eram náufragos esfomeados para quem a refeição é tudo. Princípio e fim. Realidade e sonho. Satisfação e desejo.

 

Doravante, a reunião à volta da mesa será a grande marca da comunidade. A mesa farta resgata o homem do mar vazio, do mar desgovernado, do mar assassino, do trabalho extenuante, repetição inútil por noites sem fim. O memorial à volta da mesa fortalecerá o pescador quando tiver a arriscada missão de atravessar mares desconhecidos, batidos por ventos contrários. O pescador sabe que tem de ir até ao limite. Doravante, com as redes do Evangelho, sob as ordens do eterno capitão, ele sabe que deve arriscar tudo. Com gestos simples, associados a palavras antigas, animado por uma paixão desconcertante, ele resgata, das águas poluídas, homens curvados, e das zonas escuras, lugares onde o inverno persiste, mirrados pelo frio, seres ainda por nascer.

 

E condu-los, no barco da comunidade, a porto seguro.

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