Competir para ganhar

Liturgia 6 abril 2019  •  Tempo de Leitura: 3

Dependurada ao pescoço como se fosse um amuleto sagrado, a Joana ostentava uma medalha de tons prateados, sobre uma camisola escura. «Onde a ganhaste?», perguntei-lhe. «Foi numa prova, na escola. Fiquei em segundo lugar», respondeu-me com os olhos brilhantes. «Para a próxima», disse-lhe quase sem pensar, «vais ficar em primeiro lugar». Ela esboçou um sorriso generoso, como quem confirma um voto e vislumbra a secreta esperança, partilhada por terceiros, de um dia chegar ao primeiro lugar do pódio.

 

Somos naturalmente competitivos. A rivalidade fraterna na disputa do afeto dos pais, por exemplo, não se dissipa facilmente na vida adulta. A criança carente de atenção e de contínua necessidade de aprovação, será possivelmente o adulto inseguro, aquele que na órbita de um sucedâneo do pai (um patrão, um chefe, um político, um guru, um padre…) procura atuar para o agradar. Já crescida, mas ainda pouco desenvolvida afetivamente, teme a proximidade alheia e, num nada, morre de inveja ao constatar as supostas qualidades dos rivais. O caminho desta “louca corrida” levá-la-á a acumular méritos, títulos honoríficos, medalhas, galões e a exibi-los para compensar a sede de afeto. A alternativa será a desistência, a derrota e o consequente mergulho na amargura própria de quem é vencido e não quer voltar a tentar.

 

Queremos vencer. Desde muito cedo gravamos na memória palavras que estimulam a concorrência entre pares. Os arquitetos do desejo desenharam, em cada aldeia, modernas arenas nas quais se multiplicam concursos de beleza, provas de vinho, de azeite e de canto, corridas de carros e cavalos, lutas mortais entre homens ou animais, entre outras tantas modalidades de combate. As arenas são lugares divinizados por uma sociedade que se identifica com o mais forte, o mais belo, o mais esperto e mais competente. Lugares, no entanto, em que muitas vezes a ética fica à porta porque o importante é chegar ao lugar eterno, ao mais alto, àquele que nos permite ver os outros a partir de um pedestal, numa perspetiva descendente.

 

Na escola de Jesus estes méritos valem pouco. Alguns são até um obstáculo para caminhar com o Mestre. Comparados com o que Ele nos oferece, diz-nos S. Paulo, «tudo é lixo». Sim, isso mesmo, lixo. Por isso, os cristãos enquanto discípulos do Crucificado, podem apresentar ao mundo um foco alternativo na arte de competir. Não negamos a natureza. Somos competidores, mas o método e a meta neste jogo não obedecem à mesma medida. À luz da fé no Vencido, podemos dizer de muitos modos que a nossa luta é para conter as tentativas de apedrejar aqueles que, aos olhos da maioria, já perderam a corrida. E voltar a colocar no centro os homens e as mulheres tidos por inúteis. A nossa especialidade, como discípulos do que subiu ao pódio da cruz, deve ser a de rasgar rotas de esperança no mar da mentalidade do mérito. E o nosso desejo maior o de viver na perfeição na caridade, traduzido na entrega ao serviço dos outros.

 

Estamos, de facto, empenhados numa corrida que consiste na procura do conhecimento e identificação com Cristo. Esta é uma corrida que não tem fim e que exige o melhor de nós.

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