No centro do Centro.

Liturgia 9 fevereiro 2019  •  Tempo de Leitura: 3

É ainda escuro quando chegam os primeiros funcionários. Arrastam os contentores do lixo e abrem o portão. Pouco depois, como por magia, a luz rompe a escuridão da sala vazia. É um novo dia.

 

Um carro estaciona ao lado, junto às portas traseiras. O homem do pão carrega as caixas com o alimento fresco. O mesmo todos os dias. Se estiver mau tempo, como quando rajadas de vento atormentam os jacarandás e pelas ruas correm apressadamente rios de água, mesmo assim, nem ele nem outros fornecedores de produtos e serviços deixarão de confluir para a instituição como pequenas células confluem para um ponto frágil do corpo. Porque a instituição alimenta-se todos os dias e os seus utentes são como severos juízes, senhores de muitos criados, crianças que aprendem a andar.

 

O dia nasce e vemos entrar os primeiros utentes. O corpo silencioso rodeado de espaços verdes ressuscita. De novo ouvem-se murmúrios, segredos partilhados, histórias recontadas como quem puxa o fio de lã de um novelo antigo, o mesmo que é retomado todos os dias, o mesmo de todos os dias que é sempre novo.

 

Os rituais repetem-se fielmente, dia após dia. A instituição é sinónimo de estabilidade. É um discurso previsível, sem deixar de ser inovador, repetido para utentes e simpatizantes.

 

Anoitece. O movimento é de saída para as carrinhas, para as casas, ajudados por funcionários e familiares. Amanhã talvez seja diferente. O amanhã escapa-nos. Há, porém, o propósito que tudo se repita como o dia que agora termina. À hora certa, a refeição quente foi servida e as atividades foram apresentadas tão variadas como as estações do ano.

 

Não pense, caro leitor, que o movimento da instituição congregadora da tanta vida surge por acaso e não tem qualquer rumo. Como o núcleo de um círculo maior ligado por pequenos eixos numa roda de bicicleta, os autores deste movimento contínuo e generoso são vários. Entre eles destacamos os voluntários mais comprometidos. Também eles deixam as redes todos os dias, por vezes as redes de um trabalho monetariamente gratificante, para resgatar do mar da solidão e do abandono alguns dos irmãos mais idosos, aqueles que confluem para o Centro todos os dias, porque a pequena instituição se assemelha ao seu lar, o espaço central e estruturante das suas existências.

 

As histórias dos utentes cruzam-se com as dos voluntários. Um dia, num passado distante, os mais velhos terão dito enquanto passavam junto às estruturas do Centro: «não quero entrar naquela casa». Outros, os voluntários, repetiram numa atualização do discurso assustado de Pedro no lago de Genesaré «isso não é para mim, sou pequeno e incapaz», mas o tempo, Deus, fez com que confluíssem. Os voluntários foram contagiados por um ideal e superam resistências. A necessidade fez o resto. E a fidelidade aos pequenos contributos de cada dia assemelha-se aos batimentos de um coração que dá vida e regenera os membros mais velhos.

 

Uns e outros são o centro do Centro.

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