O vinho da alegria

Liturgia 20 janeiro 2019  •  Tempo de Leitura: 4

DOMINGO II COMUM Ano C

“Tu guardaste o vinho bom até agora.”

Jo 2, 10

 

O que Jesus certamente não disse em Caná da Galileia foi um sermão sobre o casamento, ou alguns conselhos aos esposos para a sua vida conjugal. É surpreendente que S. João nos conte que o primeiro “sinal” de Jesus (e não lhe chama milagre) foi a dádiva de mais de 600 litros de vinho (!), numas bodas, onde estava com sua Mãe e os discípulos! Um gesto pouco religioso e certamente criticável por alguns guardiões do sagrado e da decência: “Mais vinho numa festa? Só pode atrair desgraças!” Mas se este é o vinho novo da alegria, o que ele traz é graça abundante, que renova a religião triste e sombria das purificações, das obrigações e dos legalismos! É a festa da vida e do amor abundante de Deus na nossa vida quotidiana que Jesus exalta.

 

São inúmeras as referências bíblicas a bodas e a vinho. O próprio Deus se foi revelando como Esposo que desposa Israel com um amor incondicional, apesar das suas infidelidades. Não há festa nem alegria sem vinho saboroso, e os profetas anunciavam que seria abundante no tempo da vinda do Messias. S. João escolheu sete “sinais” de Jesus para nos convidar a ir mais fundo no conhecimento de Jesus e da sua missão. Como podia ficar indiferente a este primeiro? No coração da maior festa da vida humana, que celebra o amor como dádiva mútua e total, os esposos e convidados são o povo amado por Deus, que já não conhecia o seu amor, preso numa religião de normas e preceitos, de purificações exteriores (daí tantas talhas de água!), sem alegria nem confiança. As palavras atentas da Mãe de Jesus, “Não têm vinho!” e “Fazei o que Ele vos disser!” são as únicas que ouviremos da sua boca em todo o evangelho de João. Ela é a Mulher, símbolo do Povo de Deus, ícone da Igreja, atenta ao mais importante, que nos convida a unir-nos aos gestos novos e vivificadores do seu Filho. O chefe de mesa assemelha-se às autoridades religiosas e políticas, daquele e de todos os tempos, admirado por algo tão belo e bom, mas indiferente em procurar “donde” viera aquele vinho. Os servos e os discípulos são os únicos que sabem donde veio o vinho bom, e acreditam em Jesus.

 

Estas bodas anteciparam a “hora” de Jesus: a da sua (que Ele fez nossa) Páscoa. Foi aí que o Amor se entregou plenamente, o “Sim” oferecido por Deus à Esposa-Humanidade. Princípio de uma união profunda e transformadora da vida, como um poema que Sebastião da Gama escreveu: “Aquele ‘sim’ de nós dois, Senhor, / foi tão sincero, / que agora, sempre que eu digo ‘quero’ / já não sou só eu que digo, / -somos nós.” E se vivemos no tempo das bodas eternas, como se vê a festa de amor e esperança em nós? Que imagem de Deus aparece em algumas formas religiosas de observâncias exteriores, de proibições e normas, de ritualismos vazios, distantes da vida e dos problemas dos homens? O “vinho” que “bebemos” e “distribuímos” será o da alegria de Jesus?

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