«Matar a morte»

Liturgia 18 novembro 2018  •  Tempo de Leitura: 3

É possível a fé «matar a morte»?

 

Se a vida é uma bênção, a morte surge no horizonte, ainda que distante, como uma maldição impossível de contornar. Pode surpreender-nos em tempo de festa e a sua densa sombra sobre aqueles que amamos é fonte de angústia. Dialogamos com ela durante noites a fio enquanto mantemos um braço de ferro até ao limite, até ao dia em que a abraçamos ou somos mansamente abraçados por ela. 

 

«No fim dos tempos», nesse tempo que desejamos longínquo, sonhamos que a «morte morra», porque até aquele que a antecipa procura desesperadamente um espaço de liberdade e de realização. Desejamos que a morte seja a pedra na qual assentamos o pé para atravessar o grande lago, a fronteira que separa os dois mundos, realidade transitória mas necessária para aceder à plenitude de felicidade que naturalmente ansiamos.

 

É possível que a «morte morra?» A perspetiva cristã enfrenta este mistério de um modo que alguns consideram uma estratégia de negação da realidade, uma espécie de fuga para a frente. A finitude não é uma desgraça, antes pelo contrário, é uma experiência de libertação. O morrer, associado por vezes à dor terrível, é o pórtico para a comunhão plena com Deus.

 

Esta nova visão da morte está já presente nos primeiros testemunhos que chegaram até nós, como por exemplo, a versão de S. Marcos do fim dos tempos que escutamos este domingo: «Nos últimos dias, depois de uma grande aflição… Nessa altura, verão o Filho do Homem vir…. Ele mandará os Anjos, para reunir os seus eleitos…».

 

Terá sido num ambiente familiar, longe do olhar persecutório das autoridades, que a mensagem apocalíptica de Jesus foi repetidamente proclamada. Ameaçado e perseguido por causa da fé, o pequeno grupo não arrepiou caminho. Hoje é-nos difícil imaginar o impacto disruptivo deste pequeno grupo na cultura dominante. Eram, no mínimo, bastante estranhos. Como destaca o ensaísta D. Hart, faziam parte da comunidade as pessoas mais desprezíveis. Aos olhos dos pagãos, tinham sido justamente condenadas, torturadas e executadas pelos seus crimes mas, para espanto de muitos, rapidamente eram glorificadas como mártires da fé, cujas relíquias ocupavam o espaço devocional dos antigos deuses.

 

O comportamento anormal dos seguidores do Galileu, também Ele torturado e executado em espaço público, é apenas compreensível à luz da eminente ressurreição, caso contrário, não passaria de um grupo de lunáticos sem qualquer consistência social e histórica. Um novo dado altera substancialmente o modo de ver e estar no mundo: a devoção ao Deus crucificado e ressuscitado.

 

É possível a fé «matar a morte»? A resposta dos cristãos é inequivocamente afirmativa.

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