DOMINGO XXIX DO TEMPO COMUM: «UM CAMINHO NOVO SE ABRE A NOSSOS PÉS»

Liturgia 21 outubro 2018  •  Tempo de Leitura: 9

1. O Domingo XXIX do Tempo Comum oferece-nos um pequeno extrato do chamado «Quarto Canto do Servo de YHWH» (Isaías 53,10-11). O justo, meu Servo, diz Deus, justificará muitos, diz Deus. Profeta «profetizado»: eis a verdade do profeta-servo. Não fala, mas é falado: fala Deus dele (Isaías 52,13-15; 53,11-12); falamos nós dele (53,1-10). Nós, batendo no peito, reconhecendo que as suas chagas não são o seu castigo merecido, mas a cura para a nossa malvadez. Entram pelos olhos: são a imagem do que há dentro de nós. De facto, vendo bem aquelas chagas, temos mesmo de reconhecer que foi a nossa violência e malvadez que as produziu. Diagnosticada a doença, podemos lançar mão do remédio. Deus apresenta-o como aquele que, entregando a sua vida à nossa violência, atravessa a nossa violência, não combatendo-a com mais violência, o que só aumentaria o caudal da violência, mas absorvendo-a e sofrendo-a, e abraçando-a, dissolvendo-a e absolvendo-a por amor: é assim que nos justifica, isto é, nos transforma de pecadores em justos: milagre do perdão e da recriação do nosso Deus.

 

2. Faz-nos bem a seguir cantar demoradamente com o Salmo 33: «Desça sobre nós a vossa misericórdia», e contemplar com encanto e emoção o rosto do novo sumo-sacerdote, Jesus, Filho de Deus, posto por escrito diante dos nossos olhos no trono da Cruz (Gálatas 3,1), para o vermos bem e para nos vermos bem: outra vez um rosto desfigurado pela nossa violência e malvadez, e a ternura daquele olhar de graça, que nos redime e salva. É a extraordinária lição de Hebreus 4,14-16.

 

3. E voltamos ao CAMINHO com Marcos 10,35-45. É a vez de Tiago e João, que vão no CAMINHO desde o princípio, agora que o CAMINHO se aproxima do seu termo, se aproximarem de Jesus com um estranho pedido. Vão de pé no CAMINHO, mas querem SENTAR-SE em lugares de destaque. O narrador diz-nos que os outros Dez ficaram indignados. Entenda-se: não tanto pela reprovação que o pedido dos dois irmãos lhes merecia, mas porque também eles pensavam a mesma coisa, e se viram antecipados.

 

4. Jesus chama-os todos para si, para lhes dizer ao coração que há os CHEFES deste mundo que mandam e tiranizam e tiram a vida, e há os SERVOS que servem e dão a vida por amor, isto é, justificam.

 

5. E aí está Jesus a apresentar-se de novo como verdadeiro Mestre pró-ativo, que sabe o CAMINHO, ensina o CAMINHO, faz o CAMINHO, é o CAMINHO: veio para SERVIR e DAR A VIDA por amor.

 

6. Mas tudo ficará mais claro, quando, no próximo Domingo (XXX) se vir bem o confronto produzido pelo episódio do Cego de Jericó (Marcos 10,46-52), paradigmática e pedagogicamente colocado no termo do CAMINHO.

 

7. O Cego está sentado (a posição ansiada por João e Tiago e pelos outros dez!) à beira do caminho. Grita porque, sendo cego, é um excluído, e há, portanto, entre ele e a sociedade e Deus, pensa ele, uma grande distância. Tem de gritar, portanto, para vencer essa distância. Mas aí está o Mestre pró-ativo: PÁRA, descendo ao nível do cego, e CHAMA, incluindo o excluído, anulando a distância. Sem hesitação, o cego atira logo fora o manto, que constitui a sua subsistência, a sua vida (tinha-o estendido à beira do caminho, e era nele que os transeuntes deitavam as esmolas), e, com um salto, de forma decidida e enérgica, fica no lugar certo, junto de Jesus. Jesus faz-lhe a mesma pergunta que ouvimos hoje fazer a João e a Tiago: «Que queres que Eu te faça?». Resposta óbvia do cego: «Que eu veja!». Ordem nova de Jesus: «VAI!».

 

8. Poucos se apercebem. Mas «VAI!» não é a resposta adequada ao pedido do cego: «Que eu veja!». A resposta adequada seria: «Vê!», como está, de resto, no episódio paralelo de Lucas 18,42.

 

9. Mas, de facto, o cego obedeceu à ordem nova de Jesus. Diz-nos o narrador que SEGUIA JESUS NO CAMINHO! Note-se aquele SEGUIA, que é um imperfeito de duração, que implica um seguimento de forma continuada. Modelo perfeito do discípulo de Jesus.

 

10. Vejam-se atentamente os confrontos: 1) o cego está SENTADO, mas põe-se de pé; de pé vão os discípulos de Jesus, mas querem SENTAR-SE; 2) o cego deixa tudo (atira fora o manto), mas os discípulos querem saber o que ganham por terem deixado tudo (Marcos 10,28); 3) o cego está à beira do CAMINHO, mas entra no CAMINHO para seguir Jesus no CAMINHO; o homem rico de Marcos 10,17-22, que encontrámos no Domingo XXVIII, entra no CAMINHO, mas sai logo do CAMINHO…

 

11. Tantos desafios e provocações, modelos e contra modelos, para nós, discípulos que hoje seguimos Jesus no CAMINHO!

 

12. Não nos esqueçamos ainda que passa hoje (21 de Outubro) o 92.º Dia Missionário Mundial, Dia em que somos sempre desafiados a calcorrear as estradas do mundo com o mesmo ímpeto missionário das primeiras comunidades cristãs, lembrando-nos que «a pregação do Evangelho não é para a Igreja um contributo facultativo, mas um dever que lhe incumbe» (Evangelii Nuntiandi, n.º 5).

 

13. Neste sentido, somos sempre exortados a refazer as pegadas de São Paulo e o itinerário espiritual da mulher da Samaria (João 4) que, pedagogicamente conduzida por Jesus, abandona o cântaro antigo, que só servia para transportar água antiga, e corre à cidade, não para fazer afirmações paralisantes, mas para deixar no ar um convite e uma fina interrogação que põe a cidade inteira a caminho de Jesus: «Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz. Não será ele o Cristo?» (João 4,29). Esta interrogação («Não será ele o Cristo?») é um convite à verificação, e põe, por isso, os samaritanos em movimento; se ela dissesse: «Ele é o Cristo!», já não mobilizava ninguém.

 

14. É nosso dever olhar com amor e diligência para a Igreja missionariamente renovada que há 53 anos saiu do II Concílio do Vaticano, para nela vermos um sinal luminoso de Cristo para todos os continentes. Não podemos hoje esmorecer no nosso dinamismo missionário, mas devemos pedir a Deus que nos ajude a renová-lo e a avivá-lo, pois está a aumentar o número daqueles que não conhecem Cristo. De facto, em 1965, o Concílio falava em 2.000.000.000 de não cristãos (Ad Gentes, n.º 10). Vinte e cinco anos depois, em 1990, o Papa João Paulo II refere que esse número quase duplicou (Redemptoris Missio, n.º 3), número que a missiografia precisa em 3.449.084.000. Em 2000, esse número subia para 4.069.672.000. Em 2006, o número de não cristãos sobe para 4.373.076.000. Para 2025, prevê-se que esse número atinja os 5.220.896.000.

 

15. Decididamente, não podemos continuar apenas a fazer que seguimos Jesus no CAMINHO, tendo em conta apenas os nossos interesses e olhando este mundo com indiferença e calculismo. Forçoso é que mudemos de atitude, deixando imprimir no nosso coração e no nosso rosto o estilo de vida de Jesus: pobre, despojado, feliz, apaixonado, ousado, próximo e dedicado.

 

Barcas ao largo,

Corações ao alto,

Em pura sintonia com a alegria do Evangelho,

Ide!

 

Ide

E entrai em cada coração,

Semeai a paz,

Saboreai o pão que houver,

E que a mão de Deus vos der.

 

Não largueis nunca essa mão de amor.

É ela que vos guia

Rumo à alegria

Da messe e da missão.

 

Acolhe, Senhor, a minha prece

Por todos os que continuam a levar o teu amor

A toda a humanidade

E a fazer de cada coração

A casa mais bela da cidade.

O Bispo D. António Couto publica os artigos no blogue Mesa de Palavras

Subscrever Newsletter

Receba os artigos no seu e-mail