Vinde Comigo

Liturgia 20 janeiro 2018  •  Tempo de Leitura: 3

Caro Mestre,

 

Nunca pensei que o meu nome ficasse associado a esta história. Eu sonhava apenas ter uma carreira profissional estável, casar-me e viver numa casa, de preferência à beira mar, com a minha mulher e os meus filhos. Queria permanecer junto àquele mar que eu já conhecia como a palma das minhas mãos.
Nunca me deixei seduzir pelas propostas de imigrar para outro lado. Por vezes penso que teria sido melhor ter ficado em casa quando passaste por lá. Já faz tanto tempo mas lembro-me como se fosse hoje. Nessa altura, eu gostava de dizer com uma dose de presunção que era ateu. Tinha uma certa vaidade em repetir «Deus não existe!» Na verdade, quase ninguém da minha geração acreditava em histórias de Deus, menos ainda na possibilidade da vinda de um salvador. «Salvador de quê? De quem?» E cada vez que eu entrava num desses debates, sem me aperceber, mais me aproximava de ti. Cada vez que eu repetia publicamente que Deus não existia, uma voz dentro de mim repetia: «Eu existo. Eu estou contigo». Passaste de uma vaga suspeita a uma certeza absoluta. Invadiste o meu território como a melodia do amolador a lembrar o que ainda estava por resolver. Eu não me esqueço do dia. Nessa altura, porém, tive vontade de explicar com muitos argumentos a tua não existência. Tornei-me muito popular entre os teus adversários… Hoje rio-me de tamanha ingenuidade. Li muito, mas esqueci quase tudo quando Te encontrei. Compreendo agora que a tua negação é também uma forma de procura, por vezes autêntica e honesta. Compreendo ainda que permanecer no território das hipóteses, do talvez, é apenas uma resolução comodista, mas que carece de verdade. A este propósito, permite-me a sugestão: não Te canses de despertar o homem através da beleza e da bondade. Podemos ter um coração muito duro, podemos resistir por algum tempo, andar e falar como os outros, mas há um dia em que percebemos que a passagem por este mundo (o teu amigo Paulo lembra-nos que «o cenário deste mundo é passageiro») não pode ser um passatempo mais ou menos divertido. Tu és um assunto sério.

 

Um dia apareceu do nada aquela frase de H. Hesse e percebi que todas aquelas lutas, entre a razão e o coração, eram já um diálogo contigo: «A minha oração em cada dia é que eu seja verdadeiro com o meu mundo interior, que não fique atrofiado». Eu era mais um que tentava fugir de Ti. André, Pedro, Tiago e João. Eu e tantos outros...

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