Eu não sou qualquer um!

Crónicas 13 dezembro 2017  •  Tempo de Leitura: 4

Se houvesse um livro sobre as frases mais ditas (e repetidas!) de todo o sempre, seguramente existiria um capítulo intitulado: “qualquer um faria isso!”. Esta é outra daquelas premissas que estão enraizadas no vocabulário de cada um. Esta expressão, em particular, leva-nos a uma generalização perigosa com dois gumes. No primeiro gume sobressalta uma certeza que nos leva a crer que qualquer desafio ou tarefa pode ser superado, independentemente da pessoa que o/a realize: “grande coisa. Qualquer um faria isso!”. No segundo gume aparece uma outra certeza não menos injusta: “qualquer um de nós seria capaz de ser mau, se estivesse nas mesmas circunstâncias. É inevitável”. Lamento mas não poderia concordar menos.

 

Em primeiro lugar, não somos capazes das mesmas coisas. Há quem consiga viajar de avião a toda a hora e há quem tenha pânico de o fazer e, por isso mesmo, nunca o faça. Há quem se identifique com missões em cenários de guerra e destruição pela adrenalina que esse contexto possa provocar e há quem se encha de muros ao imaginar-se numa situação cercada pelo caos. Há quem adore falar em público e há quem prefira estar sempre calado, especialmente se tiver que enfrentar multidões. Não somos todos iguais, não precisamos das mesmas coisas e também não estamos aptos para as mesmas aventuras. E isso, ao contrário do que possa pensar-se, é uma característica humana muito boa. O que é para mim pode não ser para ti. O que me alegra, a ti não te diz nada. O que a mim me magoa pode não ser o que te faz doer a ti. Claro que isso não impede que possamos querer conhecer o que faz parte do mundo de cada um. O que não podemos, no entanto, é querer que o mundo do outro seja exatamente igual ao meu. É perigoso desvalorizar o que os outros fazem de bom. Desincentiva, magoa e faz crer que o que fizemos não vale coisa alguma. Dizer que “qualquer um seria capaz” é garantir que a mesma tarefa está ao alcance de qualquer outro. É garantir que o que a outra pessoa fez não é nada de especial. É comum. Não me parece que haja alguém que goste de ser comum. Na verdade, todos apreciamos o facto de nos sabermos bons a fazer qualquer coisa. O que nos torna pessoas maiores e melhores é o facto de nos podermos destacar em áreas diferentes. Ter consciência do que faço bem feito não é ser arrogante. É ser verdadeiro com aquele que está do outro lado do espelho a cada dia.

 

Em segundo lugar, nem todos seríamos capazes de agir de determinada forma. E ainda bem. Se assim fosse, a vingança e a raiva tornar-se-iam lugares comuns. Se me magoas, vou magoar-te três vezes mais, para veres se gostas. Se me odeias, vou odiar-te com as forças que não tiver para que sintas a tua pele arder tanto como eu sinto a minha. Que pessoas são estas?! Capazes de tais pensamentos?! Somos nós. Cada um de nós. Claro que a bondade do coração de cada um acaba por permitir que essas ideias não passem de pensamentos que nos envergonham. Mas, às vezes, há quem escolha a maldade como moeda de troca. Felizmente, nem todos escolhemos esse avesso das coisas. Felizmente, nem todos queremos ser espelho das maldades que nos fazem e fizeram. Felizmente, nem todos somos capazes de tudo. Para o bem e para o mal.

 

Ou seremos?!

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Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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