De onde é que te conheço?!

Crónicas 25 outubro 2017  •  Tempo de Leitura: 3

Às vezes, nos mesmos lugares de sempre e com as mesmas pessoas de sempre, há alguém que nos soa diferente. Um rosto repetido mas que, na realidade, nunca antes tínhamos visto. “Conheço-te de algum lado”. “Esta cara lembra-me alguém”. Fico sempre intrigada quando oiço uma voz cá dentro que me quer convencer de que aquela pessoa que não conheço me será, de alguma forma, familiar. Na maioria das vezes, não consigo lembrar-me de onde me chega o eco repetido dessa cara, dessa presença, desse rosto. Estes episódios (que todos reconhecerão também como seus) talvez mereçam algumas palavras e algum tempo de reflexão.

 

De onde é que nos conhecemos? Por que é que conhecemos determinadas pessoas e não outras? Será que conhecemos as pessoas que convivem connosco e com os nossos dias ou são apenas “caras que nos fazem lembrar alguém”?

 

Não nos conhecemos de lado nenhum. Não aparecemos no caminho dos que não são nossos porque nos apetece ou porque disso fizemos questão. O que acontece é que os nossos caminhos se atropelam. Cruzam-se de forma bruta e, sem nos darmos conta, aparece alguém que passa a fazer parte de nós. Ou de uma parte nossa. Ninguém se conhece de forma meiga ou tranquila. Os rumos de cada um de nós atravessam-se mutuamente e, quando nos apercebemos, é tarde demais para voltar para trás. Às vezes, e quando a vida nos dá tempo para pensar e ver, lembramo-nos dos que conhecemos e já cá não estão. Dos que desejávamos não ter (nunca) conhecido. Dos que devíamos ter conhecido (se quiséssemos ter tido tempo para isso). Lamentavelmente, a vida não nos pergunta a opinião. Acontece, simplesmente. Tal como as pessoas que se cruzam connosco. É assim tal como podia ter sido de outra maneira qualquer. No entanto, vale a pena pensar sobre o que nos acontece e sobre quem nos acontece. Não vamos compreender tudo. Nem tudo estará ao alcance do nosso entendimento. Nem todos estão ao alcance do nosso entendimento. Do lado de lá de quem nos olha nos olhos estão mundos por desbravar. Continentes sem nome. Barcos naufragados. Esperanças-criança que ainda precisam de colo e de cuidados. Do lado de lá de quem nos olha nos olhos estão restos de mágoas e de raivas velhas. Risos suspensos que ainda esperam no avesso da boca do coração. Do lado de lá de quem nos olha nos olhos há todo um universo de lutas que nunca serão minhas. De palavras que nunca entenderei. De sonhos que não rimam com os meus.

 

E é por isso que, quando olhamos para alguém que conhecemos desde sempre, também nos acontece a pergunta:

 

“Eu conheço-te de algum lado?!”

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Marta Arrais

Cronista

Nasceu em 1986. Possui mestrado em ensino de Inglês e Espanhol (FCSH-UNL). É professora. Faz diversas atividades de cariz voluntário com as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus e com os Irmãos de S. João de Deus (em Portugal, Espanha e, mais recentemente, em Moçambique)

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