As coisas de César e a «maleta de Deus».

Crónicas 24 outubro 2017  •  Tempo de Leitura: 4

Nestes dias voltei a ler um pequeno conto de autor desconhecido e que aqui transcrevo:

«Um homem morreu. 
Ao dar-se conta, viu que Deus se aproximava e tinha uma maleta com Ele.
E Deus disse: 
- Bem, filho, hora de irmos. 
O homem assombrado perguntou: 
- Já? Tão rápido? 
Eu tinha muitos planos... 
- Sinto muito, mas é o momento de sua partida. 
- O que tem na maleta?
Perguntou o homem. 
E Deus respondeu: 
- Os seus pertences! 
- Meus pertences? 
Minhas coisas, minha roupa, meu dinheiro? 
Deus respondeu: 
- Esses nunca foram seus, eram da terra.
- Então são as minhas recordações? 
- Elas nunca foram suas, elas eram do tempo. 
- Meus talentos? 
- Esses não pertenciam a você, eram das circunstâncias. 
- Então são meus amigos, meus familiares? 
- Sinto muito, eles nunca pertenceram a você, eles eram do caminho. 
- Minha mulher e meus filhos? 
- Eles nunca lhe pertenceram, eram de seu coração. 
- É o meu corpo.

- Nunca foi seu, ele era do pó. 
- Então é a minha alma. 
- Não!
Essa é minha. 
Então, o homem cheio de medo, tomou a maleta de Deus e ao abri-la se deu conta de que estava vazia...
Com uma lágrima de desamparo brotando em seus olhos, o homem disse: 
- Nunca tive nada? 
- É assim, cada um dos momentos que você viveu foram seus. 

 

Por isso, enquanto estiver no tempo, desfrute-o em sua totalidade e que nada do que você acredita que lhe pertence o detenha... Viva o agora! Viva sua vida! E não se esqueça de ser feliz, este é único e o que realmente vale a pena! As coisas materiais e todo o resto pelo que você luta, fica aqui. Você não leva nada! Valorize cada minuto, cada momento e simplesmente, ame!»

  

No último parágrafo, que destaco, eu alteraria um pouco a conclusão do conto. Pode induzir-nos num certo individualismo e imediatismo. Um pouco na expressão tão utilizada pela atual geração, "Carpe Diem": um convite para que se aproveite o tempo presente, usufruindo intensamente os momentos sem pensar muito no que o futuro nos reserva. Não é essa a mensagem deste conto.

 

No evangelho de domingo, em que celebramos mais um Dia Mundial das Missões, ouvimos Jesus dizer aos fariseus: «Devolvei as coisas de César a César e as coisas de Deus a Deus». Jesus não disse aos fariseus para abandonar "as coisas de César", ou para as desfrutar ao máximo porque os fins dos tempos estavam para chegar. Não! Jesus remeteu "as coisas de César" para o seu lugar. O cristão deve viver no seu tempo. Não pode é esquecer das coisas de Deus, fim último de todo o ser humano.

 

Neste sentido, todo o crente deve comprometer-se com a Criação. Deve cuidar de todo criado. Seja das nossas florestas, seja daquele que vive ao seu lado. Até os eremitas e os consagrados de clausura, preocupam-se com o mundo. Não podemos é "esquecer o norte", o nosso fim último. Desta forma é que tudo o que aqui temos, sejam coisas ou preocupações, vão deixar de fazer sentido.

 

E é aqui que vejo uma grande concordância entre o conto, o evangelho deste domingo e as Missões: se, de facto estou bem orientado para as coisas de Deus, vivo as coisas deste mundo de forma desinteressada e desempossada, de forma a colocá-las aos serviço de todos, principalmente dos que mais precisam, aqui ou lá longe. Mas sempre empenhado enquanto aqui hábito. E esse empenho pode ser com a própria vida numa vocação consagrada e missionária.

 

Votos de uma empenhada e desinteressada semana.

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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