Lições de amor por um filho

Crónicas 26 setembro 2023  •  Tempo de Leitura: 6

Não é fácil ser adolescente. Nunca foi! No entanto, creio que nos nossos dias ainda é pior.

 

O título desta crónica foi roubado a Stefano Rossi, um dos mais queridos psicólogos e docentes escolares italianos. É especialista em ensino cooperativo e educação emocional de crianças e jovens em situação de risco. 

 

«O adolescente é como um artista. A criança é uma tela em branco nas mãos dos pais. Nela, a criança recebe todas as projeções parentais. O adolescente também as recebe, mas deve dar à luz a sua própria estrutura, a sua própria identidade, o seu próprio eu, encontrando um equilíbrio entre a descoberta da sua nova força e a beleza da sua nova forma. Aqui a adolescente tem que dar à luz e isso é muito doloroso.»  

 

O que Stefano Rossi nos quer dizer é que a tarefa do adolescente é saber nascer, ou seja, psicologicamente ele deve realizar uma intervenção dolorosa: matar simbolicamente a criança que não pode continuar a existir e permitir que o novo eu adolescente floresça.

 

A realidade crua, dói.

 

Os modelos de referência atuais são extremamente contraditórios. Gasta-se muita energia e criam-se slogans para proteger a emancipação e a liberdade das mulheres, mas na verdade os meios de comunicação social transbordam com imagens de corpos femininos altamente sexualizados.

 

Na teoria, os direitos e o respeito mútuo são reivindicados, mas na realidade, os filmes, a música juvenil e alguns influenciadores aludem constantemente à cultura do abuso e da agressão. Nesta sociedade o modelo predatório faz sucesso, negá-lo é hipócrita.

 

A lado negro da internet alimenta rios de dinheiro e aqueles que a acessam são jovens, muito jovens. A ideia de liberdade está sujeita a contínua mistificação, confunde-se com a transgressão contínua e com a absoluta falta de limites. Cai-se facilmente numa espécie de idolatria do ego.

 

Os nossos adolescentes estão imersos em uma espécie de «segundo líquido amniótico», a solidão. Separados do mundo dos adultos pela «barreira do som» dos auriculares nos ouvidos e «sugados pelo espelho negro» dos telemóveis, eles escapam às nossas chatas explicações e às nossas desajeitadas tentativas de diálogo.

 

Isto acontece porque continuamos a abordar as questões, o diálogo intergeracional e o cuidado das consciências como um assunto privado! Na era global precisamos de uma educação global, que envolva a família, os educadores, as escolas, as autoridades locais e a política.

 

Os adolescentes crescem privados da infância e logo aprendem a imitar heróis e heroínas da internet. Querem ser ricos e famosos. Aprendem com os adultos que o abuso, se feito com astúcia, leva ao sucesso. Não há nada mais perigoso do que alguém que não tem nada a perder! 

 

E como podemos ensinar o sentido de dignidade e de responsabilidade se a sociedade adulta é a primeira a trair estes valores?

 

Precisamos recomeçar a partir de uma educação emocional, relacional e sentimental dos nossos filhos. Como vimos, hoje temos muita gente a falar-lhes: o marketing, as redes sociais, as más companhias e muitos influenciadores. E nós? Pais e educadores, falamos pouco com as crianças e os adolescentes. Muito pouco... Acredito que uma das tarefas de quem trabalha com jovens, não é apenas pensar nelas, mas sobretudo pensar junto com elas.

 

Segundo Stefano, devemos começar a compreender que estamos num tempo diferente, estamos no que podemos chamar de «sociedade do desempenho», que divide o mundo em vencedores e perdedores. Enquanto a atual geração de pais cresceu num mundo vertical, que na medida do possível tendia a ser um mundo moral. Existiam valores. O sentimento de culpa era introduzido como o embrião de um sentido de responsabilidade. Hoje os  pais já não sonham com um bom filho, mas com um filho de sucesso.

 

Hoje coloca-se em cima do filho o peso de uma expectativa idealizada que o acostuma, não mais a um sentimento de culpa, mas a um sentimento de insucesso. Se somarmos então o mundo das redes sociais que funcionam segundo a lógica dos números, os adolescentes de hoje assistiram aos primeiros vídeos no YouTube quando crianças e perceberam que esses vídeos tinham muitas visualizações, muitos likes.

 

O que constato na minha vida de professor e coordenador de adolescentes é que estes têm pânico de não estarem à altura! Tal como Stefano, e usando a sua expressão, na «sociedade do desempenho» você tem que voar cada vez mais alto.

 

Temos que pensar, falar, trabalhar com eles que perfeito só Deus. A tirania do sucesso e da perfeição a todo custo atinge jovens e adultos, mas os adolescentes, que são mais frágeis, sofrem mais do que nós.

 


p.s.: Não tenho ainda a obra “Lezioni d’amore per un figlio” (Feltrinelli URRÀ 2023, pp. 224, 1). As citações que faço do autor, retirei-as de outras obras e entrevistas.

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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