Ser Humano

Crónicas 21 novembro 2019  •  Tempo de Leitura: 2

“Trabalho é a razão de morte dos cavalos. Todos deviam saber isso.” (Aleksandr Solzhenitsyn, escritor)

 

Fartamo-nos de trabalhar. Há empregos que não dão tréguas. E sem nos darmos conta, acabamos mais por sermos trabalho do que somos enquanto humanos.

 

Ser inteligente é humano, mas não basta. Se perdemos a autonomia sobre a capacidade de pensar e deixamos que outros dominem o nosso tempo, somos humanos ou cavalos?

 

Um amigo partilhou-me quanto o trabalho exigia diariamente dele e da família, de tal modo que não há qualquer hipótese de tirarem férias. Fiquei sem saber bem o que dizer e uni-me a essa dor. Ao pensamento vinha-me apenas se não dobras, quebras. Por vezes, contra a nossa intuição, se não quebramos o trabalho, quebramos-nos. Cada um nasce como ser humano, mas com o excesso de trabalho pode tornar-se num fazer humano.

 

Muitas vezes o excesso de trabalho provém da necessidade de trazer pão para a mesa, mas isso não é verdade senão para nós. O príncipe Alberto, casado com a rainha Vitória de Inglaterra, não tinha necessidade de trabalhar para trazer pão para a mesa, mas morreu do excesso de trabalho.

 

Não é uma situação fácil libertarmo-nos do trabalho de modo a sermos livres para trabalhar, mas penso que podemos recuperar alguma da nossa saúde humana se acolhermos e escolhermos mais momentos de tédio na vida.

 

Uma vez li que o tédio é o último privilégio de uma mente livre, mas quantas pessoas vejo pelas ruas, com o rosto colado ao pequeno ecrã, a desperdiçar esses momentos?

 

Só cultivando o silêncio podemos viver a solitude e experimentar a liberdade interior, independentemente do consumo exterior que outros e Apps fazem da nossa atenção. Mas quantos não confundem solitude com solidão?

 

Solitude não é isolarmo-nos dos outros, mas aproximarmo-nos do nosso interior. O Evangelho convida-nos a amar os outros como a nós mesmos. E esse amar-se não passa por isolar-se, mas cuidar de si para se poder dar totalmente aos outros. Ninguém pode dar o que não tem.

 

Os momentos de espera, impasse, ou seja, tédio, podem ser um dos melhores antídotos para nos recriarmos e evitar sermos consumidos pelo nosso trabalho.

Aprende quando ensina na Universidade de Coimbra. Procurou aprender a saber aprender qualquer coisa quando fez o Doutoramento em Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico. É membro do Movimento dos Focolares. Pai de 3 filhos, e curioso pelo cruzamento entre fé, ciência, tecnologia e sociedade. O último livro publicado é Tempo 3.0 - Uma visão revolucionária da experiência mais transformativa do mundo e em filosofia, co-editou Ética Relacional: um caminho de sabedoria da Editora da Universidade Católica.
 
 
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