Amar o Próximo implica respeito pela sua individualidade

Crónicas 6 novembro 2018  •  Tempo de Leitura: 6

Com a entrada da hora de inverno a Igreja tem duas grandes celebrações que "não consegue" separar: Dia de Todos os Santos e o Dia dos Fiéis Defuntos. Se com o primeiro, pretende-se dar voz a todos aqueles santos que não têm lugar no calendário litúrgico e ao mesmo tempo chamar à atenção os católicos de que todos somos santos, ou "no mínimo", chamados à santidade; com o segundo dia, quer-se não se esquecer aqueles que nos precederam na fé e já contemplam o Senhor da Vida em toda a Sua Santidade.

 

O Dia de Todos os Santos é o projeto, vocação ou missão que a Igreja nos propõe. O Dia de Finados é a consecução ou a realização desse mesmo projeto. Os santos são todos aqueles que conseguiram através da sua vida específica concretizar a vocação a que todos os batizados foram chamados. Para nós, ainda a fazer o caminho, são exemplo. São vários. Uns mais conhecidos do que outros. Uns que deram literalmente a vida, outros que não saíram do convento ou tiveram uma vida familiar "normal".

 

Esta variedade demonstra que não há só um caminho para alcançar a santidade plena. Todos temos que fazer o nosso caminho bebendo das fontes da fé: a Sagrada Escritura e a Tradição da Igreja. Ou seja, da Palavra de Deus e da palavra e exemplo dos nossos predecessores na fé.

 

Creio que todos temos na nossa vida exemplos de homens e mulheres que já partiram e que são modelos de fé. É prova provada de que a santidade é tão singular como todos nós somos únicos. Cada um de nós tem o seu caminho a fazer. Não o dos outros. Isso exige oração, reflexão, discernimento e vontade.

 

Este assunto vem a propósito de uma notícia que saiu num jornal diário por estes dias, onde estava escrito que cerca de 14,2% dos portugueses se dizem não crentes ou crentes sem religião. E estes são jovens, do sexo masculino, cultos e urbanos. Isto a propósito do colóquio "Identidades e Alteridades Religiosas em Portugal", realizado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Steffen Dix, do Centro de Investigação em Teologia e Estudos da Religião da Universidade Católica Portuguesa, disse ainda que “há vários estudos que concluem que os países com altos níveis de segurança material tendem para a secularização”.

 

Perante estes resultados o que podemos fazer? Que estratégias ou atitudes?

 

O que é certo é que saímos da lógica em que a Instituição Igreja Católica já não é reconhecida à priori como legítima detentora da verdade. Não é possível exigir uma obediência cega às tomadas de posição da Igreja. E isto é válido até para os jovens católicos. As afirmações do magistério são submetidas às avaliações pessoais e podem ao não ser aceites. Temos que esquecer a ideia que nascer num determinado território do planeta, implica ser católicos romanos. Hoje ser ou não membros da Igreja, depende das escolhas e vontade de cada um. É visível que há liberdade na escolha do momento e da forma de se tornar cristão. Ou pelo menos no pedido de adesão à Igreja.

 

Temos que ser realistas. Temos que olhar para as coisas como elas são e não como gostaríamos que fossem. Atualmente devemos pensar a identidade das pessoas, não como um dado adquirido de uma vez por todas, mas como um caminho, que nos dias de hoje, pode durar a vida toda. Muitas vezes trata-se de um caminho cheio de curvas, com obstáculos enormes que afastam, ou descidas rápidas que aproximam as pessoas da fé ou da vivência em Igreja. Além disso, quando nos referimos aos jovens, não podemos vê-los como apáticos a esta questão, ou como pessoas indiferentes. Mais do que nunca, os jovens vivem em campos de força. Vivem na tensão entre a vontade de acreditar (porque precisam de segurança na vida) e a dificuldades de decidir-se no que acreditar.

 

Acredito que os jovens ainda se sentem atraídos pelo discurso religioso. Vejo-o nas minhas aulas e noutras, como é o caso da Filosofia da minha escola: quando os professores dão opção de escolha entre a Estética e a Religião, os alunos escolhem a segunda. Mas ao mesmo tempo sentem uma atração por leituras laicas e fechadas ao transcendente como se estas fossem mais "adultas".

 

Que as celebrações do início do mês no alertem para a diversidade e a unicidade que existe na forma de caminhar. Que o Evangelho deste fim de semana nos dê a consciência que não existe amor a Deus sem um verdadeiro amor ao Próximo. E se queremos que nos respeitem na nossa forma única de existir, temos que saber respeitar os outros na sua unicidade: devemos amar o próximo como a nós mesmos.

Boa semana.

Licenciado em Teologia. Professor de EMRC. Adora fazer Voluntariado.

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