Francisco devia falar menos no Diabo

Crónicas 16 outubro 2018  •  Tempo de Leitura: 3

O Diabo não pode ser reduzido a "um mito, uma representação, um símbolo, uma figura ou uma ideia", afirmou o Papa no mesmo documento (161). "O mal já não é apenas uma deficiência, mas uma eficiência, um ser vivo, espiritual, pervertido e perversor", esclarece em nota numa citação de Paulo VI. E sustenta que isto exige do crente uma atitude de vigilância, para não se deixar dominar por ele.

 

Esta perspetiva do Papa pode levar a uma interpretação maniqueísta da vida, em que colocamos ao lado de Deus (princípio do bem) uma entidade correspondente, o Diabo (princípio do mal) - o que seria uma heresia. Não é certamente isto que Francisco pretende. Para evitar esse perigo - e sem diminuir a atenção e a vigilância em relação aos efeitos do mal -, alguns preferem ver no mal uma ausência do bem devido. Como a escuridão é a ausência de luz, ou o frio a ausência de calor. Também quando o bem está ausente, o mal pode dominar a pessoa, afetando o Mundo e a Igreja.

 

Se um padre não respeita uma criança, a ausência do respeito pode concretizar-se num abuso sexual. Quando um sacerdote não serve o povo que lhe está confiado, essa falta pode converter-se em abuso do poder. Sempre que estes comportamentos assumem dimensão, como a pedofilia que está a ser denunciada no interior da Igreja, então torna-se visível a "força destruidora" da ausência do bem - o mal.

 

Nesta perspetiva, entende-se que o Papa tenha pedido aos fiéis para rezarem a Deus para que proteja a Igreja destas insídias do mal, invocando a intercessão da Virgem Maria e do Arcanjo S. Miguel. Mas isto não significa que o Papa esteja a culpar o Diabo pelos escândalos em que Igreja está envolvida, como noticiou a agência Reuters na semana passada.

 

A Reuters publicou que o Papa terá dito numa mensagem no dia 29 de setembro que "[a Igreja tem de ser salva] dos ataques do maligno, o grande acusador e, ao mesmo tempo, tornar-se cada vez mais consciente da sua culpa, dos seus erros e abusos cometidos no presente e no passado". Na verdade, o texto é de um comunicado de imprensa em que se dá conta do pedido do Papa acima referido. Os parêntesis são da Reuters. No original, pode ler-se: "Com este pedido de intercessão, o Santo Padre pede aos fiéis de todo o Mundo que rezem para que a santa Mãe de Deus coloque a Igreja sob o seu manto protetor: para preservá-la dos ataques do maligno... etc."

 

Apesar da truncagem da Reuters, a verdade é que o Papa Francisco prega bem melhor a misericórdia de Deus do que os perigos do Diabo. Entende-se a sua preocupação em alertar para a força do mal, mas devemos ter presente que nem este nem o Diabo são os fundamentos da fé.

Artigos de Opinião Jornal de Notícias. 

Subscrever Newsletter

Receba os artigos no seu e-mail