Uma ética e uma esperança para todos

Crónicas 20 setembro 2018  •  Tempo de Leitura: 6

A ética (ou moral) pode resumir-se a um princípio muito simples e universal: «faz o bem e evita o mal». E muitos podem nortear as suas escolhas e decisões por aí. Hoje, persiste até no senso comum o preconceito subtil de que a moralidade é um assunto que nos remete ao passado dos velhos costumes, do puritanismo e de hábitos superados.


Afinal, se por um lado a era atual foi moldada pela revolução científica a par com uma população mais instruída, por outro lado a ética não parece ter desempenhado nenhum papel relevante nesse processo, e por isso, pode ser dispensada das grandes decisões que moldam a sociedade. Afinal, basta o conhecimento científico, técnico e lógico para resolver todos os problemas humanos.

 

Ponhamos à prova esta teoria: a ética nada tem a ver com a economia. Basta que os especialistas e agentes económicos saibam fazer as contas e garantir que os indicadores apresentem resultados de sustentabilidade. Porém, o que fazer quando se tentam conjugar necessidades ilimitadas (todos queremos bem estar, todos queremos mais bens e serviços) com recursos limitados?

 

Qual o instrumento que nos possa garantir a melhor opção? Uma fórmula matemática? Uma calculadora e uma folha de Excel? Será isso aceitável quando o que está em jogo são necessidades fundamentais da vida humana (alimento, lar, emprego, reforma,…)? E como faríamos a melhor distribuição da riqueza? Com que critérios? A solução é simples: uma boa dose de justiça.

 

Hoje há ainda quem fale de economia como uma questão numérica. Não. A economia é uma ciência social. Os cálculos e métodos da ciência económica são os seus meios, mas os seus fins somos nós, pessoas, gente de carne e osso!  

 

Ora, bastou esta pequena análise para deitar por terra o preconceito de que a ética é uma redundância do passado. Se assim fosse então também seria verdade relegarmos para segundo plano a nossa felicidade, em nome de outras prioridades. Já agora, porque não a liberdade? E porque não, tanto daquilo que nos define enquanto seres humanos?

 

Penso que agora chegamos ao cerne da questão. A ética não é apenas assunto de normas e regras de conduta. Não é redutível a um poço de virtudes. Ela integra a nossa identidade mais elementar. A ética sempre foi e será a busca do sentido nas opções que nos humanizam. Gosto da raíz da palavra «ética» que deriva do significado grego original de «lar» ou «morada». A ética é o lar da humanidade. Fernando Savater afirma que a ética é «arte de viver», viver com sentido e em conformidade com a nossa condição humana. Por isso, parafraseando William Shakespeare, a ética é uma questão de serou não serhumano.
E na religião? Qual o papel da fé na ética?

 

A fé, ao contrário do que alguns pensam, não nos fornece normas ou condutas exclusivas ou separadas de outros sistemas éticos. Baseio-me no teólogo moralista Alfons Auer, para reiterar que a fé dá-nos um horizonte de sentido para lá do que vemos no imediato. Não sei o suficiente para descrever como um muçulmano, um judeu, um hindu, ou um budista encaram a realidade que os circunda. Mas tenho a certeza absoluta que a vêm com um sentido e esperança reforçadas. Com isto não quero afirmar de modo nenhum que uma pessoa religiosa seja eticamente superior a um ateu ou agnóstico. O que é exigido a um é exatamente o mesmo que ao outro, e não menos do que a humanidade que todos partilhamos (crentes ou não crentes).

 

Um cristão contempla a realidade, não apenas confinada nos seus limites factuais, mas capta-a com um olhar de Esperança da redenção em Cristo. A partir da sua ressurreição a humanidade já foi assumida e salva em Deus. Ela não é um projeto frustrado ou destinado a falhar.

 

Atualmente, o controverso filósofo ateu, Peter Singer, conclui que a ética, apesar de tantas contradições e tragédias do mundo, recomenda-se e está de boa saúde, pelo menos no que toca ao racismo e ao sexismo, no seu artigo intitulado ‘será que há progresso moral?’

 

Segundo o Arcebispo brasileiro de Teresina, temos também razões para nos esperançarmos e alegrarmo-nos, porque assistimos: «à valorização de aspetos constitutivos da pessoa humana como a consciência, a liberdade, a afetividade e a sexualidade; o resgate do papel e da dignidade da mulher; a emergência da consciência ecológica; uma melhor compreensão de diversos antigos problemas morais, com a ajuda das ciências psicológicas e sociais; a afirmação de uma ética da solidariedade através da atuação do voluntariado; o crescimento de organizações e iniciativas em defesa da vida e dos direitos humanos; os estudos e debates sobre problemas éticos complexos como os da bioética. Estes e outros aspetos constituem sinais de esperança na busca de uma ética autenticamente humana e cristã.»

 

Ora, se até um ateu e um cristão chegam à mesma conclusão, temos mesmo razões para concluir que a ética está longe de murchar ou passar de moda. Pelo contrário, ela cada vez mais se revela uma estrela em ascensão que dá frutos de uma nova humanidade.

Gustavo Cabral

Cronista

Engenheiro mecânico. Mestrado em Ciências Religiosas. Atualmente, professor de EMRC. Leigo Redentorista. Adepto de teologia e bíblia.

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