2017: Um ano de graça (e de algumas desgraças)

Crónicas 3 janeiro 2018  •  Tempo de Leitura: 7

Os cristãos sabem que, todos os anos posteriores ao nascimento de Jesus Cristo, são anos de graça para todo o mundo. Como escreve São João no prólogo ao seu Evangelho: “Todos nós participamos da sua plenitude, e recebemos graça sobre graça; porque a Lei foi dada por Moisés, mas a graça e verdade foram trazidas por Jesus Cristo” (Jo 1, 16-17).

 

Entre as efemérides eclesiais de 2017, é de justiça dar a prioridade ao centenário das aparições de Nossa Senhora na Cova da Iria. O aniversário suscitou alguma polémica quanto à natureza teológica das ‘aparições’, que os teólogos, como Bento XVI, consideram, sem desprimor para o seu carácter sobrenatural, como ‘visões’. Outro tanto se diga sobre a explicação científica do ‘milagre do Sol’. Fátima continua a ser uma referência de excepcional importância para a História universal e eclesial do século XX e não só.

 

Com efeito, é inexplicável que, em 1917, três crianças analfabetas prevejam a revolução que aconteceria na Rússia, em Novembro desse ano, bem como a profecia relativa à ‘conversão’ desse país, verificada pouco depois da sua consagração ao Imaculado Coração de Maria, pelo Papa que veio do Leste. São João Paulo II foi também o protagonista da terceira parte do segredo confiado aos pastorinhos, na aparição de 13 de Julho de 1917.

 

O centenário das aparições marianas de Fátima está também relacionado com outras duas grandes efemérides deste ano: a canonização dos irmãos São Francisco e Santa Jacinta Marto e a vinda a Fátima do Papa Francisco.

 

Embora a visita se tenha limitado ao santuário mariano, foi a primeira visita do Papa Francisco a Portugal. Como já acontecera, por outros motivos, com o Papa Paulo VI, também a visita de Francisco se cingiu à peregrinação mariana. Os papas precedentes, nomeadamente São João Paulo II e Bento XVI, deram às suas vindas a esta terra de Santa Maria uma maior abrangência apostólica: aproveitaram para promover vários encontros pastorais, nomeadamente em Lisboa e no Porto. O Papa Francisco, que privilegia as viagens a países do terceiro mundo, quis assim deixar claro que, por assim dizer, não vinha a Portugal, mas apenas a Fátima. Talvez o tenha feito para que este precedente não possa ser invocado por outros países europeus, certamente desejosos da sua visita apostólica.

 

O centenário de Fátima, a canonização dos jovens Francisco e Jacinta Marto – são as primeiras crianças não mártires a serem canonizadas pela Igreja católica! – e a vinda do Papa Francisco a Portugal são, sem dúvida, grandes graças recebidas neste ano que agora termina.

 

Entre as desgraças de 2017 há que considerar, certamente, a tragédia dos incêndios que, por duas vezes, fustigaram o nosso país, causando mais de cem vítimas mortais. Não vale a pena insistir na incúria do governo e na manifesta insensibilidade do ausente primeiro-ministro, a banhos no estrangeiro, compensada pela solicitude e generosa presença do chefe de Estado. Estes dramáticos acontecimentos provaram, uma vez mais, a falência do Estado social e a necessidade da suplência da Igreja, através das suas instituições de solidariedade social, a nível local, regional e nacional.

 

Entre os muitos apoios que avultaram por ocasião desta terrível calamidade que, para além de vidas, destruiu as casas e haveres de muitas famílias, bem como empresas e explorações agrícolas, importa salientar a campanha promovida pela Igreja, a nível paroquial e diocesano, para a recolha de fundos, a acção desenvolvida junto das populações afectadas pelas respectivas comunidades eclesiais, bem como a resposta solidária de muitos organismos católicos.

 

Acção essa que prossegue, de forma discreta e muito eficaz: como a agência Ecclesia noticiou no passado dia 26, muitos jovens do Porto, Coimbra, Braga e Montemor-o-Novo, afectos à prelatura do Opus Dei em Portugal, realizaram recentemente acções de voluntariado nos concelhos mais castigados pelos incêndios: Serpins, Mangualde, Oliveira do Hospital e Seia. Ainda a propósito desta estrutura eclesial, análoga aos ordinariatos, recorde-se que foi em 2017 que foi eleito Mons. Fernando Ocáriz, que o Papa Francisco confirmou e nomeou como novo prelado.

 

Outro acontecimento de grande relevância eclesial e, sobretudo, ecuménica, foi a evocação dos quinhentos anos da reforma de Lutero. Embora persista a separação, passos muito significativos já foram dados, em ordem à desejada união de todas as igrejas cristãs, nomeadamente a católica, a ortodoxa e a dita protestante.

 

Os refugiados são uma preocupação prioritária do Santo Padre, principalmente as minorias de outras religiões que sofrem perseguição. Assim se explica a sua recente viagem a Myanmar que, não obstante a sua escassa importância religiosa, dado o exíguo número de católicos no país, e pouca repercussão internacional, teve contudo um grande significado político.

 

Ainda a lamentar, ou talvez não, o desaparecimento de dois insignes prelados portugueses: D. António Francisco dos Santos, bispo do Porto, e D. Manuel Martins, bispo emérito de Setúbal. Se tais mortes foram uma perda para a Igreja e para a sociedade portuguesa, para ambos foi, de acordo com a esperança cristã, uma grande graça: a da sua chegada definitiva à casa paterna! Por este motivo, os primeiros cristãos não consideravam o falecimento como o fim da existência terrena, mas como o seu verdadeiro nascimento para a eternidade, o seu próprio natal!

 

Feliz Ano Novo!

Artigos publicados no site ©Observador e ©Voz da Verdade.

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