Missa em Santa Marta: Deixemo-nos consolar

Vaticano 12 dezembro 2017  •  Tempo de Leitura: 9

O homem, apegado como é ao «negativo», às «feridas do pecado», que traz dentro de si, muitas vezes tem inclusive dificuldade até de se «deixar consolar» por Deus. Ao contrário, a Igreja, neste tempo de Advento, convida todos a reagir, a levantar-se dos próprios erros e a ter «coragem» porque Jesus vem, e vem precisamente para trazer «consolação».

 

Esta foi a mensagem que o Papa Francisco, durante a missa celebrada na manhã de segunda-feira, 11 de dezembro, em Santa Marta, evidenciou da liturgia do dia. Com efeito, a reflexão do Pontífice começou exatamente do trecho do profeta Isaías (35, 1-10) no qual, «de uma forma um pouco bucólica», se antecipa a parte dedicada à «consolação de Israel», ao Senhor que, «consola o seu povo, promete a consolação, o faz regressar do exílio, onde há tristeza, escravidão...». A eles que «não podem cantar, não conseguem cantar, choram...», o Senhor «promete consolação».

 

Refletindo sobre quanto Deus realizou para os israelitas, o Papa recordou que Santo Inácio dizia «que é bom contemplar o ofício consolador de Cristo nosso Senhor, comparando-o com o modo como alguns amigos consolam os outros». E relativamente ao facto de que «o Senhor veio para nos consolar», sugeriu, por exemplo, que pensemos «na manhã da ressurreição na narração de Lucas, quando Jesus apareceu aos apóstolos: “Mas era tanta a alegria – diz o Evangelho – que não podiam acreditar”, a alegria impedia que acreditassem». Assim, disse, «muitas vezes, a consolação do Senhor parece-nos uma maravilha, algo irreal».

 

Contudo, observou, «não é fácil deixar-se consolar; é mais fácil consolar os outros». De facto, «muitas vezes, estamos apegados ao negativo, à ferida do pecado dentro de nós e, frequentemente, preferimos permanecer ali, sozinhos. Como o paralítico do Evangelho que ficava no leito. Em determinadas situações, a palavra de Jesus é sempre: “Levanta-te!”». Contudo, sublinhou Francisco, «temos medo». Aliás, acrescentou, «no negativo, somos donos, porque temos a ferida dentro, do negativo, do pecado; ao contrário, no positivo somos mendigos e não gostamos de pedir esmolas, de mendigar a consolação».

 

A este respeito, o Pontífice deu dois exemplos de situações em que o homem prefere «não se deixar consolar». Há, em primeiro lugar, «a atitude de ressentimento». Ou seja, quando «preferimos o ressentimento, o rancor», e nós ficamos a remoer nos nossos sentimentos. Naquelas situações, o homem tem «um coração amargo, como se dissesse: “O meu tesouro é a minha amargura: ali estou eu, com a minha amargura”». Um exemplo encontra-se no Evangelho, no episódio do paralítico do tanque de Siloé: «trinta e oito anos ali, com a sua amargura, e sempre explicando: «Mas a culpa não é minha, porque logo que a água se agita não tenho ninguém que me ajude a entrar no tanque”». Raciocinava sempre «de forma negativa». Comentou o Papa: «Para estes corações amargurados é melhor o amargo do que o doce. A amargura como explicação». Do mesmo modo, muita gente prefere esta «raiz amarga» que «nos leva com a memória ao pecado original, ao pecado que nos feriu». E é um modo «de não se deixar consolar». Preferem dizer: «“Não, não, não me incomode, deixe-me aqui”. Derrotado».

 

Depois, há a atitude das «lamentações». O homem e a mulher «que reclamam sempre; em vez de louvar a Deus lamentam-se diante de Deus. E as lamentações são a música que acompanha aquela vida». A este respeito, o Papa recordou que Santa Teresa de Ávila dizia: «Ai da freira que diz: “Cometeram uma injustiça contra mim, algo inaceitável”, ai». E evocou também a vicissitude bíblica do profeta Jonas, «o prémio Nobel das lamentações». Jonas, com efeito, «fugiu de Deus porque se lamentava que Ele lhe teria feito algo de errado e foi-se embora, depois afogou-se, o peixe engoliu-o. Em seguida, voltou à missão e depois de ter cumprido a própria missão, em vez de se alegrar pela conversão, sobressai a amargura e lamenta-se: “Eu sabia que tu eras assim e sempre salvavas as pessoas...”, e lamentava-se porque Deus salva as pessoas». Porque, acrescentou, «também nas lamentações existem algumas contradições».

 

Uma atitude que o Pontífice relevou também no homem contemporâneo: «Nós vivemos muitas vezes respirando lamentações, somos inclinados às lamentações e podemos descrever muitas pessoas deste tipo que se lamentam». E deu o exemplo de um sacerdote que conheceu no passado: «um bom sacerdote, bom, bom, mas era o pessimismo personificado e queixava-se sempre, tinha as qualidades de “encontrar a mosca no leite”. Tratava-se, continuou, de um bom sacerdote, considerado «muito misericordioso no confessionário». Mas tinha este defeito de reclamar sempre, a ponto que os seus companheiros de presbitério brincavam dizendo que quando, no momento da morte, «subisse ao céu», a primeira coisa que teria dito a São Pedro, «em vez de o cumprimentar», teria dito: «Onde está o inferno?». E dizia que depois de ter visto o inferno, teria perguntado a São Pedro: “Mas quantos são os condenados?” - “Só um” - “Ah, que desastre a redenção...”. Só lamentações, só o negativo.

 

Mas diante da «amargura, do rancor, das lamentações», explicou o Papa, hoje «a palavra da Igreja é “coragem”». Uma palavra reiterada pelo profeta Isaías: «Coragem! Não temais; eis o vosso Deus, chega a vingança, a recompensa divina. Ele vem para vos salvar». Uma mensagem clara para cada crente: «Coragem, será ele quem te consolará. Confia nele. Coragem».

 

E é também, disse Francisco, «a mesma palavra que de Jesus: “Coragem”». Por exemplo, repete-a àqueles homens que queriam que o seu amigo fosse curado. Estes, não obstante as dificuldades («Mas não se pode entrar, Senhor, há tanta gente... como podemos fazer....»), «subiram ao teto e telha após telha, uma por uma, abriram o buraco e fizeram-no descer. Naquele momento não pensaram: “Mas há os Escribas, há polícias, se nos prenderem levar-nos-ão para a prisão...”. Não, não pensaram nisto. Queriam apenas a cura, queriam que o Senhor consolasse o seu amigo e a eles».

 

A fim de reafirmar o conceito, o Pontífice retomou as palavras de Isaías: «Coragem! Coragem, não temais, fortalecei as mãos fracas: as mãos são frágeis, enrobustecei-as, coragem. “Tornai firmes os joelhos inseguros”: coragem, em frente, há joelhos inseguros... sim, mas em frente, coragem. “Dizei aos desorientados de coração – a quantos sentem rancor, que vivem nas lamentações –: “Eis o vosso Deus que vem para vos salvar”».

 

A mensagem da liturgia de hoje, disse o Papa «é muito bonita e muito positiva: deixar-se consolar pelo Senhor». Mesmo se não é fácil, «porque para se deixar consolar pelo Senhor» é necessário «despojar-se dos nossos egoísmos, daquelas coisas que são o próprio tesouro, quer as amarguras, quer as lamentações, muitas coisas». Portanto, acrescentou, «seriam bom que hoje, cada um de nós, fizesse um exame de consciência: Como está o meu coração? Tenho qualquer amargura? Sinto alguma tristeza?», e questionar-se: «Como é a minha linguagem? É de louvor a Deus, de beleza ou sempre de lamentações?». E também «pedir ao Senhor a graça da coragem, pois na coragem vem ele para nos consolar».

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