Missa em Santa Marta: A Igreja não é dos tíbios

Vaticano 24 maio 2017  •  Tempo de Leitura: 10

Vaticano, 23 de maio de 2017. A Igreja nunca deve ser «tíbia» e é chamada, assim como cada cristão, para um caminho de «conversão diária». De facto, é preciso prestar atenção a não se adaptar a um estado «tranquilo», «mundano» , pelo contrário devemos estar sempre abertos ao «anúncio jubiloso de que Jesus é o Senhor». Por exemplo como fez o arcebispo Óscar Arnulfo Romero, recordado no segundo aniversário da beatificação pelo Papa Francisco durante a missa celebrada em Santa Marta, na terça-feira, 23 de maio.

 

Antes de tudo, o Pontífice retomou a primeira leitura (Atos dos Apóstolos 16, 22-34) e explicando que se trata do trecho final de uma narração mais ampla, resumiu toda a sua evolução. É um momento importante da pregação de Paulo e Silas, que tendo chegado à cidade de Filipos, encontram «uma escrava que praticava a adivinhação» e graças à sua atividade levava os seus patrões a ganhar muito. Essa mulher, vendo os dois que «iam pregar», começou a gritar: «Estes são servidores de Deus!». Aparentemente, observou o Papa, tratava-se de um «louvor». Mas as suas palavras repetidas «todos os dias» tiveram uma consequência. De facto, lê-se nos Atos que «um dia Paulo se aborreceu». O apóstolo, explicou o Pontífice, «tinha o espírito de discernimento e sabia que aquela mulher estava possuída pelo espírito maligno», portanto «dirigiu-se a ela» e «expulsou o espírito ruim». A consequência imediata foi que «essa senhora, essa escrava, já não pôde adivinhar e os seus patrões vendo diminuir os seus lucros – ganhavam muito – levaram Paulo e Silas diante das autoridades». Assim começou uma série de acusações. E precisamente neste ponto insere-se o trecho proposto pela liturgia do dia no qual se lê que «Os magistrados mandaram arrancar-lhes as vestes para os açoitar com varas. Depois de lhes terem feito muitas chagas, meteram-nos na prisão, mandando ao carcereiro que os guardasse com segurança. Este, conforme a ordem recebida, meteu-os na prisão inferior e prendeu-lhes os pés ao cepo».

 

Contudo, a este ponto «interveio Deus» e, enquanto «à meia-noite Paulo e Silas cantavam, louvavam a Deus e os outros prisioneiros ouviam», «subitamente, sentiu-se um terramoto tão grande que se abriram logo todas as portas». E diante de um evento tão excecional o carcereiro, temendo a fuga dos presos, quis suicidar-se porque «a lei da época» previa que quando os prisioneiros fugiam o guardião era executado.

 

Então Paulo gritou: «Não te faças mal, pois estamos todos aqui». Mas ele não compreendeu: «Mas o que acontece? Estes delinquentes em vez de aproveitar a oportunidade e fugir permanecem aqui?». O carcereiro, dando-se conta de que tinha acontecido «algo estranho e que havia um sinal de Deus, tanto o tremor quanto as portas abertas, mas também que nenhum deles fugia», precipitou-se dentro «e tremendo caiu aos pés de Paulo e Silas, depois levou-os para fora e disse: “Senhores, o que devo fazer para me salvar?”». Evidentemente, observou Francisco, era «um homem ao qual o espírito tinha comovido o coração». A resposta dos dois foi: «“Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua família”». E proclamaram a Palavra do Senhor a ele e a todos da sua casa. Naquela mesma noite ele cuidou deles, lavou-lhes as chagas e imediatamente foi batizado, ele e toda a sua família; depois fê-los subir para sua casa, pôs-lhes a mesa e alegrou-se com toda a sua casa por haver acreditado em Deus”; festejaram esta graça». Trata-se, disse o Papa concluindo a narração, de «uma bonita história que nos faz raciocinar».

 

A partir disto teve início a reflexão que, antes de tudo, pôs em evidência que neste episódio se encontra uma «passagem». De facto, parte-se de «um estado de pregação tranquila porque Paulo e Silas deviam estar contentes pelo facto de que esta escrava com tanta autoridade, esta maga, adivinhadora, dissesse que eles eram homens de Deus». O facto é que «não era verdade». Porquê?, questionou-se o Papa. Porque Paulo – foi a resposta – movido pelo Espírito, compreendeu que aquela não era a Igreja de Cristo, não era o caminho da conversão daquela cidade, pois tudo permanecia tranquilo, não havia conversões. Sim, todos aceitavam a doutrina: «Que bonito, que bom, estamos bem».

 

Uma situação que «se repete» outras vezes «na história da salvação»: com efeito, «quando o povo de Deus estava tranquilo ou servia à mundanidade, não digo os ídolos, não, a mundanidade, e vivia na tibieza», o Senhor «enviava os profetas». E mais ainda «aos profetas aconteceu o mesmo que a Paulo: eram perseguidos, açoitados, porquê? Porque incomodavam». Aquilo que fez igualmente Paulo, «homem de discernimento», compreendendo que o espírito que possuía a maga «era um espírito de tibieza, que tornava a Igreja tíbia», compreendeu o engano e expulsou o espírito mau. E a verdade veio à tona».

 

É uma dinâmica, disse o Pontífice, qua ainda hoje acontece na Igreja: «quando alguém denuncia tantos modos de mundanidade é mal visto , isto não está bem, melhor que se afaste». E acrescentou: «Recordo na minha terra, muitos homens e mulheres, bons consagrados, não ideólogos, mas que diziam: “Não, a Igreja de Jesus é assim...”», deles disseram: «”este é comunista, fora!”, e expulsavam-no, perseguiam-no. Pensemos no beato Romero». E isto aconteceu a «muitos na história da Igreja, inclusive na Europa».

 

A explicação encontra-se no facto de que «o espírito maligno prefere uma Igreja tranquila sem riscos, uma Igreja de negócios, cómoda, na comodidade da tibieza, tíbia».

 

Para compreender melhor este raciocínio, o Papa recordou duas palavras que se encontram no trecho da Escritura tomado em consideração, uma «no início da história» e outra «no final». De facto, se lermos com atenção, vemos que «os patrões desta senhora, escrava, adivinhadora, enraiveceram-se porque deixaram de ganhar dinheiro». Eis a palavra: «dinheiro». Com efeito, «o espírito mau entra sempre pelos bolsos» e, sugeriu, «quando a Igreja é tíbia, tranquila, toda organizada, não há problemas, olhai imediatamente para onde estão os negócios».

 

Há outra palavra que sobressai no final da narração: «alegria». Com efeito, lê-se que o carcereiro, depois de se ter batizado, «preparou a mesa e alegrou-se com todos os seus familiares por ter acreditado em Deus». Assim é claro, disse Francisco, «o caminho da nossa conversão diária: passar de um estado de vida mundana, tranquilo sem riscos, católico sim mas tão tíbio, para um estado de vida do verdadeiro anúncio de Jesus, para a alegria do anúncio de Cristo. Passar de uma religiosidade que olha demais para os lucros para a fé e a proclamação: “Jesus é o Senhor”».

 

E isto, acrescentou «é o milagre que o Espírito Santo realiza».

 

Por conseguinte, o Papa sugeriu aos presentes que releiam o capítulo 16 dos Atos dos Apóstolos, para compreender melhor «este percurso» e que «o Senhor com as suas testemunhas, os seus mártires, faz com que a Igreja caminhe». Dar-nos-emos conta de que «uma Igreja sem mártires causa desânimo; uma Igreja que não arrisca causa desânimo; uma Igreja que tem medo de anunciar Jesus Cristo e de expulsar os demónios, os ídolos, o outro senhor, que é o dinheiro, não é a Igreja de Jesus».

 

Concluindo a meditação Francisco recordou que na liturgia do dia há a oração na qual se dá graças «ao Senhor pela renovada juventude que nos dá Jesus». Também a Igreja de Filipos, disse, «foi renovada e tornou-se uma Igreja jovem». Portanto, devemos rezar a fim de que «todos nós obtenhamos isto: uma renovada juventude, uma conversão para não viver tibiamente, para o anúncio jubiloso de que Jesus é o Senhor».

 

L'Osservatore Romano]

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